31.8.04

Brandos e bravos costumes

Regressou a olímpica comitiva portuguesa ao país de brandos costumes. No peito balançam três condecorações. Três, rezam alguns, «a conta que Deus fez». E por aí também há magotes de gente que reza para que a demoníaca noz do aborto continue a navegar ao deus-dará, à mercê das vagas internacionais. E que fique por lá, essa embarcação carregada de maldade porque manda o bem que fique longe. Manda o bem e o governo! Este, que outro não temos, nem podemos escolher nesta democracia! Este, que depressa fundamentou com leis e patranhas de segurança a decisão de manter a embarcação a milhas, mostrando ao povo que está seguro nestas mãos direitas, tão firmes e pesadas nas coisas dos direitos e justiças. Atropela o governo a constituição, sem novidade. Desafia a nossa inteligência, sem novidade. E assim, que o aborto rume para longe dos nossos costumes que de tão habituados que estão, não estranham relatórios que dão voz, pelos números, às vítimas de maus-tratos. São 60, senhores! Sessenta mulheres que morrem por ano nos “ninhos de amor”. Para estas tocas de horror não corre o governo para fazer cumprir as justas leis. Também é coisa de crime, mas mais na mentalidade. É possível um terceiro denunciar a maldade, mas quem quer meter a colher? São bravos, senhores. São bravos, alguns costumes. Se calhar porque é costume ficar impune.

O que é isto, Sr. Picasso?

Oh!, não me interpretem mal, senhores de bons juízos! Só quero tirar a limpo a natureza do impar desenho! Longe de mim está a ímpia ideia de profanar a arte do bom-nome Picasso. Refreiem o galope de vossas críticas que justamente se impacientam no bom senso sensível. Não adjectivem já esta toca de pouco uso com palavras como infecta, desprezível e outras quejandas. Só desejo perguntar: é rato? (É melhor reformular: é um rato, Sr. Picasso? É melhor reformular: este seu desenho representa mesmo um rato, Sr. Picasso?) É, não é? Então, que se poste nesta toca, fechando com traço de mestre, as contas do mês de Agosto.

Da alusão religiosa, costumes e tal, do post anterior...


Pub. - Axe

30.8.04



Para hoje propõe-se que espreitemos SOLEX, o reduto da alemã Elisabeth Esselink. Não faremos comentários, não diremos graçolas, não esboçaremos um laivo de crítica. Apenas sublinhamos algumas das coisas que se pode encontrar pela rede fora que tocam (n)o universo Solex:

Música
3 4 12
Shoot Shoot
Athens, Oh

Vídeo
Randy Costanza

29.8.04




Que o primeiro génio a sentar-se na cadeira da realização que aqui se expõe seja mestre no onírico. Que seja italiano de Rimini nascido em 1920 e que nos tenha deixado em 1993. Que seja senhor do casting impossível, que seja mestre criador de personagens excêntricas, senhor das imagens luxuriantes em planos vestidos com rigor, que se tenha enleado no mágico espectáculo circense, que tenha partilhado sonhos com o mundo. Que seja Federico Fellini.

Amostra:
La Strada / A Estrada (1954)
Otto e Mezzo / Oito e Meio (1963)
Giulietta degli Spiriti / Julieta dos Espíritos (1965)
La Città delle Donne / A Cidade das Mulheres (1980)
E La Nave Va / O Navio (1983)

25.8.04

coisa de bola

Andam rubras as hostes benfiquistas que assistem a um pontapé de época semelhante às tristezas que se vão acumulando de ano para ano. Bastou uma semana para a luz esmorecer na catedral das esperanças: primeiro, taça perdida, depois, liga milionária a milhas das aspirações pintadas a vermelho vivo para este campeonato. E mais duas ou três tristezas de igual calibre bastarão para, de cabeça perdida, se pedirem chicotadas nas cabeças até elas rolarem porque a cesta da galinha do vizinho cameça a ter mais ovos que a minha. E a responsabilidade da proeza não é só do animal. Também o vizinho é melhor e mais sabido, com olhos de ver e cabeça para perceber quando o barco se prepara para naufragar. E se o fino vizinho despediu um italianinho… é de rato seguir-lhe o caminho.

O Grito roubado



Alguém muito rato roubou do Museu de Oslo este quadro - O Grito, de Eduard Munch. Foi no domingo. E não se contentaram com um único quadro: também levaram "Madona". Já circulam anúncios de recompensas que serão dadas a quem achar as obras de valor incalculável. Todos tememos que os quadros não sejam recuperados por alguém mais rato do que o(s) larápio(s).


Günter Grass

Chama-se para a toca o Sr. Günter Grass, trazido pela mão d' A Ratazana, respeitável animal do romance anunciador de más profecias efabuladas que percorrem esta obra do homem cujo O Tambor bem alto ribombou, atirando, em 1959, o autor para as bocas do mundo que soube ouvir as suas misteres batidas. A Ratazana chegou em 1986, ainda o alemão estava longe de saber das honrarias que a Nobel Academia lhe iria conceder, atribuindo-lhe o prémio de literatura em 1999. O Gato e o Rato (1961) também era obra suficiente para trazer Grass até estas paragens, assim como o seriam a pintura, a escultura, a poesia... É que Günter Grass é homem iluminado por muitas artes, para conferir, aqui.

24.8.04



Olhar de rato sobre o sobejamente conhecido. Em baixo:


Henri Matisse (esquerda); Roy Lichtenstein (direita)

Até os ratos se riem

Anda o país de férias a assistir à renhida disputa dentro do reduto socialista pela liderança da oposição. Anda Soares, o filho, a atirar Alegre, o poeta Manuel, para uma candidatura aos palácios depois de achar que o homem das letras padece de falta de tempo para liderar o PS. Anda o país distraído com os olhos enfeitiçados pelas páginas cor-de-rosa, acompanhando a triste história de Maria, aquele Zé lá dos Barrancos que encontrou mundo cruel nas luzes da capital. Daqui, da poética Lisboa, tentam as mulheres ver o barco do aborto em mar alto que navega algures, umas ondas para além das águas convencionalmente lusas. Mas o que interessa mesmo é o desporto. O que interessa é ver vezes sem conta a corrida veloz de Francis Obikwelu, esse nome da mais nobre casta lusitana que deu à sua pátria adoptiva a prata do nosso contentamento, conquistada à desfilada na Atenas Olímpica. Fora de portas, diz-se que algo vai mal no Reino da Dinamarca. Pior. Algo faz mal: é a Kellogg que viu dezoito produtos enriquecidos com vitaminas serem proibidos por poderem ser prejudicais à saúde dinamarquesa se ingeridos com regularidade. São Corn Flakes, Krispies e Special K em versão vitamínica que atacam fígado e rins das criancinhas e causam problemas aos fetos quando ingeridos por mulheres grávidas. É um grande revés para as dietas alimentadas a cereais especiais pela manhã e à noitinha para adelgaçar ancas e perninhas lisinhas que vão à praia para a pele ficar de galinha nos dias em que este belo Agosto se pinta de outonal. Até os ratos se riem.


Entremos na toca do Sr. Devendra Banhart. Respeitosamente, faremos uma visita. Escutaremos The Body Breaks e continuaremos a viajem pelas melodias deixadas escutar lá no sítio. Depois sairemos e iremos comprar Rejoicing in the Hands:

"The quaver in Mr. Banhart's voice is as shaky as his songs' connection to everyday reality...his songs and fragments ponder animals, apparitions, logical leaps and childlike certainties, all with credible eccentricity."THE NEW YORK TIMES #2 ALTERNATIVE ALBUM OF 2002

...

22.8.04


Jacek Yerka - Lazienka Oceaniczna

Jacek Yerka - Kot Ekumeniczny Posted by Hello

Aqui há rato

e é do campo e é da cidade, e é do convés e é das galés, e também anda pelos rodapés. E é bicho de subterrâneos e de esgoto sem desgosto, e é esperto que cai nas ratoeiras do homem (que andam eles a fazer?)
E é de rato observar os esquecidos, e ver indigentes e ver dirigentes, maltrapilhos e vizinhos, e cheirar venenos e cheirinhos nos beicinhos dos meninos, e das meninas também, e das meretrizes veteranas, e das carcaças dos caídos, e dos insignes glorificados, e de todos eles compreender: «cheiram mesmo ao mesmo do mesmo, até as sereias de encanto inventadas em cantos».
E de tudo isto o rato não tira lições, só visões largas, largadas sem ilusões, na rede.

21.8.04

Aqui, há rato

Que pensar de um gajo que vive numa toca, sempre à procura do queijo que apague (MESMO!) da enevoada memória o facto de noutra encarnação ter sido rato de bem socializar? Que esperar deste ser, vivo mas por inventar?
Aqui, há rato!