Perdidos
Nesta amêndoa atordoada, presa por fio ao duro crânio de rato, dançam dúvidas e mistérios. São mistérios arrepiantes registados na Figueira. Andam os mirones em romaria tétrica calcorreando terra, a cheirá-la, a respirar os odores do crime na triste procissão de querer ver o horror em primeira mão e, se não for pedir de mais, que a televisão repare nas suas diligências, nas suas espertezas de rato com que julgam desvendar o caso, melhor e com faro mais apurado do que os canídeos policiais. E lá está ela, a televisão, que também escarafuncha no caso da menina desaparecida, que também procura o melhor comentário, o melhor relato de rancor, o mais profundo desejo de justiça popular que se repudia mas que não se pode deixar de mostrar – é a realidade, é a notícia. Andam os habitantes incomodados com a exposição da sua terra, invadida e vasculhada pelo magote de curiosos que querem “ver a porta” atrás da qual o acto bárbaro viveu. Por certo imaginam por sua conta os horrores que ali se gritaram. E lamentam e lançam ais, filha-que-gente-dessa-precisava-que-lhe-fizessem-o-mesmo.
A consternação é circo domingueiro porque a morbidez enche a pobreza da vida. Quero ver, quero ver. Quero saber, quero saber. Quero bater. E nos entreactos, esfuma-se a dor da verdadeira consternação perante um acto de desumano desenlace. Os porquês não inquietam a populaça ansiosa por destilar raiva e matar a curiosidade que se agiganta, disfarçada de inútil bonomia de ajudar quem já não pode receber abraços e carinhos de toda esta gente que não procura uma criança para a proteger; procura um cadáver para gritar por mais morte. A reflexão social é coisa para gente com estudos, que a gente não percebe dessas coisas. A gente quer é justiça, daquela que se veja, aquela: popular.
A criança, se calhar, há muito que gritou por socorro, mas ninguém a ouviu. Não houve acção social que lhe desse a mão. Agora procuram-na para tocar na prova, para agarrar a mão fria. Para a ver, sem vida. Que se chore, pois. Que se repudie. Que haja justiça neste mundo! Mas que se lamente, na toca. Que se esteja mais vigilante. Que se pense naquele caso perto da nossa porta. Aquele que pode ter símile desfecho. E que se denuncie. Sem aparato. Pela Joana.
A consternação é circo domingueiro porque a morbidez enche a pobreza da vida. Quero ver, quero ver. Quero saber, quero saber. Quero bater. E nos entreactos, esfuma-se a dor da verdadeira consternação perante um acto de desumano desenlace. Os porquês não inquietam a populaça ansiosa por destilar raiva e matar a curiosidade que se agiganta, disfarçada de inútil bonomia de ajudar quem já não pode receber abraços e carinhos de toda esta gente que não procura uma criança para a proteger; procura um cadáver para gritar por mais morte. A reflexão social é coisa para gente com estudos, que a gente não percebe dessas coisas. A gente quer é justiça, daquela que se veja, aquela: popular.
A criança, se calhar, há muito que gritou por socorro, mas ninguém a ouviu. Não houve acção social que lhe desse a mão. Agora procuram-na para tocar na prova, para agarrar a mão fria. Para a ver, sem vida. Que se chore, pois. Que se repudie. Que haja justiça neste mundo! Mas que se lamente, na toca. Que se esteja mais vigilante. Que se pense naquele caso perto da nossa porta. Aquele que pode ter símile desfecho. E que se denuncie. Sem aparato. Pela Joana.
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