15.10.04

Só se o homem mandar

Tendo a pequena fera, difícil de adestrar, seis mesitos de idade, recorro a um treinador para educar o lindo cão. Desde logo fico a saber que toda a aprendizagem do canídeo se fará a troco de comida. Se ele fizer bem, será recompensado; caso contrário ficará a salivar, olhando para mim com aquele doce olhar com que me vai convencendo que não rói por mal, que é de sua natureza (e da tenra idade) ser irrequieto, que é de sua natureza o gosto pelas minhas meias, e t-shirts, e mangas, e sapatos... Duas ou três sessões são passadas com o ensinamento das ordens básicas - pára, senta, aqui. Treinar com o animal sempre que vai à rua. Treinar com ele duas vezes por semana, diz-me o treinador. Mais duas sessões e outros ensinamentos: ficar parado, quietinho, imóvel, afastando-me eu e chamando-o de seguida - só à minha ordem o cão sai do hipnotismo em que ficou. Todas estas maravilhas de correcção a troco de comida. Sempre.

A partir daqui ele deixou de ser um cão. O quê? Deixou de ser um cão? Que raio de bicho é este que atrelo como cão? Agora ele só te serve. Para ele, você é mais que um dono. Ele seguir-te-á porque te respeita. Tentará sempre transgredir as regras, mas basta a sua voz para ele obedecer. E quando chegarmos ao dia em que você o mandar deitar e ele o fizer, então aí estará completamente... Domesticado? Mas eu não quero domesticá-lo. Pelo menos nesse sentido! Quero que ele aprenda a respeitar certas regras para melhor convivermos. Para não ter chatices com a vizinhança. Não quero "descaracterizá-lo". Não quero "despersonalizá-lo". Se ele não quiser deitar, não se deita. Só quero que ele não... Meu amigo, o alfa terá de ser você. Eu, um alfa!? Só tenho um cão, não comando uma matilha. Mas ele não sabe. Nem saberá nunca. E como tal tentará dominá-lo. Nos genes dele, digamos assim, só há duas coisas: ou domina ou é dominado. Escolha você o que quer ter em casa. Quero ter um cão que vá aprendendo a "entender-me" enquanto eu o entendo. Um amigo! Não é o que dizem: o melhor amigo do homem. Se o homem mandar! Se homem mandar...


Elliott Erwitt - New York, 1946