21.2.05


Cansado como nunca entrou o rato em sono profundo com o badalar das seis horas da tarde daquele luminoso Domingo. Caído no sono, sonhou.
Uma enorme mão esquerda vinda dos céus caiu com estrondo no oceano que lambe todo o país do rato. Do embate criou-se uma avassaladora onda da cor da rosa que inundou quase todo o território. Foi a aflição para alguns. Foi a salvação para outros, essa grande maioria. Entre os destroços criados pela devastação viu o rato em sonho uma lapa agarrada a uma laranja amarga e murcha, perfurada por uma seta, flutuando, perdida e solitária, sem rumo, levada ao deus-dará no meio da enxurrada. Também viu um bom homem que o sonho identificou como cristão, com duas mãos erguidas aos céus. Dez dedos tentando contactar a figura de Deus e que perguntava: "Dizei-me, é hoje? Sempre Te pedi luz para me indicares o dia da despedida. É hoje que devo despedir-me desta vida?" Sem resposta que se ouvisse, foi levado, com a graça de Deus. E viu mais. Viu gente que em si não se continha, tal era o contentamento perante a onda. Viu uma senhora pequenina que do alto falou, dizendo que era dia de "virança". (Virança, menina?) Viu muitas chamas vermelhas inflamadas pela vitória. Ouviu alguns gritos em italiano, pedindo para que todos agarrassem a "mano sinistra", a apertassem com força e que seguissem o caminho da mudança. Foi então que um gordo sapo apareceu e gritou: Sabeis, meus amigos, que as rosas têm espinhos? Ainda só vedes a rosa em botão. Esperai para a ver desabrochar. Deixai que os espinhos brotem, e então aí observai se são os espinhos bons ou, pelo contrário, contêm o veneno que o vosso contentamento primeiro não vos deixa ver. Mas depressa o sapo foi engolido pela multidão e desprezado pelo batalhão de jornalistas e fotógrafos que, de objectivas em riste, seguiram um sorriso de vitória tatuado na cara de um homem que, furando o alvoroço, se dirigiu para o Rato. E de lá, para o Largo falou aquilo que a inteligência nunca se cansou de repetir: somos absolutos! Confiança! Optimismo! E a multidão aplaudia para o sorriso e dizia: agora é que vai ser! Com esta onda afastamos a trapalhada, lavamos a cara deste país. Vamos ser...
Aqui o rato acordou. Ainda estremunhado viu que a lua ia alta. Na madrugada, as estrelas eram as mesmas e brilhavam com a intensidade costumeira. Olhou para o oceano e viu-o calmo, com as ondas a suspirarem na mesma cadência, e sussurrou: O mundo (ainda) está igual.