Prosa Insana # 16
Olhem todos: não tenham medo. São muitos, são aos milhares, mas ordeiros, os carneiros consumistas.
Aí vão eles, alegremente caídos sem disso se lembrarem, de braço dado, cantando em grupo, em uníssono. Eles, o exército da indumentária Zara, todos de igual farpela, aos pinotes grunhindo, entrando para o quartel comercial. E vão de família ao colo, pesados pelo descanso do trabalho diário, procurando a frescura condicionada, babando nas montras, e de seguida entrando de Multibanco em riste: Isto é um assalto. Vamos consumir um pouco de tudo o que aqui está! Ai vão, sim! A roupinha que lhes não faz falta, a malinha que combina com a saiinha curtinha, aquela camisa que está no preço certo, a metade do custo que se dizia justamente custar, duas ou três semanas antes, antes daqueles imperdíveis saldos que de todos os lados saltam, a olhos vistos, e vai de soltar do cartão porque é agora ou nunca, é agora que se adquire as peças com a cor da moda.
É agora que vamos, também e finalmente, andar por aí iguais aos outros, caramba! Quem se julgam eles, esses outros? Mais que nós, catano!? Ai, não! Também podemos comprar, também podemos andar com igual vestimenta. Também queremos pertencer. Também somos. Somos filhos do mesmo Pai. Também merecemos a moda. Também entramos no quartel. Também fazemos estragos nos orçamentos. Também andamos assim - atrás, para à frente chegar e ficar, e bem enfarpelados. E também vamos aos exóticos destinos. Então não? "É que é já a seguir!" É só falar ali com o senhor do banco, a ver se ele tem a lata de nos atirar com um despótico não à cara? Qual! Também a gente vai tocar com a nossa mão na inteligência dos golfinhos curandeiros, lá, onde as águas são azuis, tudo azul, sob o ouro do sol que doira a palmeira mais raquítica. E ficamos lá, umas duas semanas, gozando do pacote, enquanto o banco trata de outro pacote, o nosso, mas de maneira suave, com pequenas fodas mensais, que afinal pouco custam, um bom preço, até justo, se comparado com tão grande orgia que nos proporciona em longínquos paraísos, quase perdidos, não fosse esta maravilha do crédito, este Salvador! E só temos que lhe agradecer, ao Banco: com as suas Graças, a gente goza. Vive, caramba! Que leva a gente deste mundo cruel? É viajar, podendo ou não! Correr o mundo turístico, sem dar de caras com a verdadeira cultura, sem muito comunicar, sem respirar os verdadeiros ares da região, é certo, mas… mas que interessa isso? Vale a pena! A pena de ficar acantonados na sugestão do pacote que tudo arranja, que tudo prevê; e mesmo que ele, o pacote, obrigue a ficar sempre ali, presos naquela paisagem de postal, não faz mal, que a gente só quer ir, ver, gozar, chegar, contar. E chegados ao pobre país natal, está a gente mais ricos: de vistas, de histórias, de fotografias e de pele, ela tostada, com aquele "bronze" que não é daqui, vê-se logo; é de outras paragens, bem mais caras, bem melhores. E para que se não perca esta bela cor que em mais lado nenhum se arranja, toca de o eternizar, nos solários, pois então, esses miríficos caixões que milagrosamente fazem perpetuar na pele aquela doce cor que só o Verão do paraíso dá. E mais: assim queimados - e queimados por queimados -, vai de adquirir nova viatura, uma bomba igual à do vizinho, esse invejoso, que se aproveitou da nossa viagem para trocar de Mercedes, o grande cabrão. Mas a gargalhar não fica. Era o que faltava! Não vai o Banco negar-nos este essencial bem para a nossa sobrevivência em grupo, mostrando que ao grupo pertencemos, que no grupo estamos, de igual para igual, com as mesmas armas, os mesmos apetrechos, as mesmas condições de mostrar que também somos, que também pertencemos. Somos iguais. Todos iguais, ó vizinho. Todos.
Todos carneiros consumistas alimentando o lobo que enche, engorda e fode, mensalmente.
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