Prosa Insana # 19
Há um luxo de grande valia para os pobres de espírito – a cegueira. Com ela, corre a vida na fantasia desejada. Passeia-se este cego atrás dos odores do reconhecimento, da fama rasteira, de se vender pela ninharia que é aparecer o seu nome mal escrito, com erros até, em veloz nota de rodapé. Muito feliz, cão audaz, ladra o cego para a celebridade, a droga que satisfaz. E abençoa a multidão, essa casca de melão sem semente, que rebola pela ânsia de pertencer ao grande grupo dos que engolem tudo o que se lhes dá. Engolem, não comem, não degustam, não apreciam – engolem, sem digestão. É a grande felicidade, senhores, a grande vitória na vida cheia de nada! Um nirvana para quem vende, quem se vende, e também para quem compra, vendendo-se. Quem tem olhos bons é considerado o verdadeiro cego, o tonto, o cenobita doente que na baba da boca da populaça fervilha e brota. Não se vendendo, o vidente não existe, porque só o vendável vive, só ele existe. É uma valente corrupção - da alma. É o triste espectáculo da alma esgotada, a podridão premiada. E depois toca a confundir tudo. A honradez do vidente, por exemplo, é hoje lida pelo rico cego vendido como inveja, esse vetusto mal nacional. Logo, uma virtude vista como pecado. E quem não entra nesta mentira, neste jogo de enganos; quem se recusa a receber cartas da súcia vendida, para além de invejoso, é apressadamente etiquetado como falhado, um pobre coitado, enrolado nos seus trapos, nos seus gastos valores. Pois ao falhado estendo a minha falhada mão, a mão deste vosso pobre eremita irmão, ainda mais recolhido nestes tempos de Verão, sem férias no lombo e em período de meditação.
1 Comments:
Bem dito e apoiado. E bem regressado!...
Recordo, ainda e sempre, que tem todo o direito ao "pause"; não tem é direito ao "stop". Faz favor de retirar esse botão do aparelho.
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