11.9.04



Desta humilde toca obscura perdida na vastidão da blogue-ó-esfera saúda-se os bem-aventurados que audaciosamente tocaram no nome do Sr. João César Monteiro. Vós, incautos visitantes, que, com ousadia e coragem entraram no ninho, quiçá animados pela curiosidade que matou o inimigo do murídeo, ou então atraídos pela luz natural da obra do génio e pousaram o dedo indicador no flanco esquerdo do rato, vós que a esse trabalho se deram, tiveram a felicidade de tragar algumas palavras do mestre inconformado, escritas no distante ano de 1973, publicadas na revista &ETC. Assistíamos então ao início de uma impar carreira no cinema português pautada pela energia, pela inovação, pelo romantismo perverso, pela excentricidade. Mas também pela beleza cénica, pela apurada estética do quadro, pelo desconcerto do universo do demiurgo.
João César Monteiro, homem de um diálogo ácido - para alguns, contundente -, mas poético e admirável que assim falou num país que soube amá-lo tanto como odiá-lo. O homem do olhar simultaneamente crítico e livre sobre o fado da vida, a vadia e a santa, o nosso vampiro de costumes que não se coibiu de nos mostrar a desesperança e a espicaçar, talvez chocando, os falsos pudores bolorentos. O homem cuja silhueta nos faz lembrar Nosferatu. Mas o nosso Nosferatu é aquele que dança a loucura pendurado em grades, aquele que colecciona pintelhos de meninas e de rainhas, aquele que atira o Presidente da Republica da tribuna – abaixo!, aquele que expõe a esquelética natureza do ser Deus (a personagem, leia-se), aquele que nos faz sorrir da desesperança, da miséria e da virtude de se ser português. Aquele a quem o Leão de Veneza rosnou prata, coroando “Recordações da Casa Amarela”, a primeira obra de uma trilogia que trouxe para a tela o heterónimo João de Deus, despido de preconceitos. Trilogia que se completou com “A Comédia de Deus” (1995) e “As Bodas de Deus” (1999).
Na história também ficam escritas polémicas de Brancas de Neve, a negro pintadas pela incompreensão, mitos de mau génio e prémios.
Por aqui acha-se que poucos vultos sobressaíram como o de João César Monteiro, o insurrecto, insubmisso e visionário português que, com notável mestria, deu ao nosso cinema uma alma que perdurará, pelo menos por tocas como esta, talvez devota e devotada ao bom abandono. E se por desventura João anda esquecido, que se reavive a sua memória, prestando-lhe a devida (e divina, se possível fosse) vénia. E que se viaje e que se consulte e que se veja e reveja a sua obra porque há Césares assim, que no "Vai e Vem", para sempre, ficam.

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