24.2.05


A minha linguagem - é a do povo: linguagem muito forte e muito franca para os delicados. E a minha palavra parece ainda mais insólita aos escritorzecos e aos rabiscadores de todas as qualidades.
A minha mão - é a mão de um louco. Pobres de todas as mesas, de todas as paredes, de quanto oferece ainda um campo livre para loucos arabescos, para rabiscos de louco!
O meu pé - é casco de cavalo. Trota e galopa a despeito de todos os obstáculos, para cima e para baixo pelos campos, e as suas correrias rápidas dão-me um prazer diabólico.
O meu estômago - não será antes um estômago de águia? O que ele prefere é carne de cordeiro. Mas é certamente um estômago de ave.
Sustentado com uma carne inocente, satisfeito com pouco, sempre pronto para o voo, impaciente por voar, elevar-me, eis como sou. Como não havia de ter alguma coisa de ave?
E é sobretudo por odiar o espírito de Gravidade que tenho alguma coisa da ave; na verdade, sou seu inimigo mortal, abonado, jurado! Para onde, então, não voou já o meu ódio, desencaminhado?
A este respeito poderia fazer uma canção - e cantá-la-ia, se bem que, sozinho numa sala vazia, só possa cantar para os meus próprios ouvidos.
Outros cantores precisam de uma sala cheia para sentir a garganta harmoniosa, a mão eloquente, o coração alerta, o olhar expressivo - mas não me pareço com eles.
Nietzsche, Assim Falava Zaratustra