Sem Penas
Para ser sincero, o homem já começa a enfadar-me. Mas, numas arrumações, encontrei um livrito dele, escrito nos anos setenta. Chama-se o livro "Sem Penas". Chama-se o autor Woody Allen, aclamado realizador, músico e também escritor. "Sem Penas" é um livro com pequenas histórias, desiguais, ao estilo do que a personalidade nos tem oferecido ao longo da sua carreira nas diversas artes. Aqui fica uma dessas histórias.
Um Guia Breve, mas útil, da desobediência Civil
"Para fazer uma revolução há duas coisas indispensáveis: alguém ou alguma coisa contra que se revoltar e alguém que vá para a frente e o faça. A indumentária é geralmente informal e ambas as partes podem mostrar-se flexíveis em relação à hora e ao local, mas se uma das facções não comparecer é provável que todo o empreendimento fracasse. Na Revolução Chinesa de 1650 não compareceu nenhuma das partes, o que causou a perda do depósito feito.
As pessoas ou partidos contra os quais a revolução é feita denominam-se «opressores» e reconhecem-se facilmente por parecerem ser os únicos que se divertem. Geralmente, os «opressores» vestem fatos, possuem terras e põem os rádios muito alto até às tantas da noite sem que os insultem. A tarefa deles é manter o status quo, uma situação em que tudo permanece na mesma, ainda que tenham vontade de pintar de dois em dois anos.
Quando os «opressores» se tornam demasiado ríspidos temos aquilo a que se chama um estado policial, onde todas as dissenções estão proibidas, tal como o está rir entre dentes, aparecer com um laço ao pescoço ou chamar «Bucha» ao presidente da Câmara. As liberdades civis num estado policial estão muitíssimo limitadas, e a liberdade de expressão é desconhecida, apesar de ser permitido utilizar mímica num relatório. Não se toleram opiniões críticas sobre o Governo, especialmente a respeito da forma como os seus membros dançam. A liberdade de imprensa também está limitada e o partido no Poder «controla» as notícias, permitindo aos cidadãos ouvir unicamente as ideias políticas aceites e os golos que não provoquem desassossego.
Os que se revoltam são conhecidos por «oprimidos» e geralmente podem ser vistos movendo-se em grupos, a resmungarem ou a queixarem-se de dores de cabeça. (Há que assinalar que os opressores nunca se revoltam ou tentam transformar-se em oprimidos, porque isso acarretaria mudarem de roupa interior.)
Alguns exemplos de revoluções famosas:
A Revolução Francesa, em que os camponeses tomaram o Poder pela força e mudaram rapidamente as fechaduras das portas do palácio para que os nobres não pudessem voltar a entrar. Depois fizeram uma grande festa e banquetearam-se à grande. Quando os nobres finalmente recuperaram o palácio viram-se obrigados a fazer limpeza e encontraram muitas nódoas e queimaduras de cigarro.
A Revolução Russa, que fermentou durante anos e estalou de repente quando os servos finalmente perceberam que o czar e o tzar eram uma e a mesma pessoa.
Convém lembrar que quando uma revolução acaba os «oprimidos» frequentemente assumem os Poder e começam a actuar como os «opressores». É claro que a partir dessa altura é muito difícil contactar com eles pelo telefone e é de esquecer por completo o dinheiro para cigarros e pastilhas elásticas que emprestámos durante a luta.
Métodos de desobediência civil:
Greve de fome. Aqui, os oprimidos renunciam a comer até que lhes satisfaçam as suas exigências. Os políticos traiçoeiros deixam frequentemente biscoitos ao alcance da mão ou talvez mesmo queijo cabreiro, mas tem de se lhes resistir. Se o partido no Poder consegue que o grevista cama, é-lhe geralmente fácil sufocar a insurreição. No Paquistão quebrou-se uma greve da fome quando o Governo fabricou uma vitela cordon bleu extraordinariamente requintada, que as massas acharam demasiado atraente para ser recusada, mas pratos de gourmet como esse são raros.
O problema da greve da fome é que passados vários dias pode-se ficar muitíssimo esfomeado, especialmente quando carros de som são pagos para percorrerem as ruas dizendo, «Hum… que frango tão bom. Hum… que ervilhas… Hum…»
Uma variante da greve da fome para aqueles cujas convicções políticas não são tão radicais consiste na recusa em utilizar cebolinho. Este pequeno gesto, quando utilizado a propósito, pode influenciar brutalmente um Governo, e toda a gente sabe muito bem que a teimosia de Mahatma Gandhi em comer apenas salada sem tempero envergonhou de tal maneira o Governo britânico que o levou a fazer várias concessões. Para além da comida há outras coisas de que se pode desistir: jogar whist, sorrir e ficar ao pé-coxinho imitando um flamingo.
Greve sentada. Uma pessoa vai para o lugar previsto e senta-se, mas é preciso sentar-se bem sentado. Caso contrário fica-se de cócoras, posição que não tem qualquer impacte político a não ser que o Governo também esteja de cócoras. (Isto é raro, ainda que um Governo se possa ocasionalmente agachar quando está frio.) O truque consiste em permanecer sentado até que se obtenham concessões. Mas, tal como a greve da fome, o Governo tentará utilizar processos subversivos para fazer o grevista levantar-se. Podem dizer: «Ora bem, todos de pé! Vamos fechar.» Ou: «Podem-se levantar só por um minuto? Só queremos ver que altura têm!»
Manifestações e marchas. O objectivo essencial de uma manifestação é que seja vista. Daí o nome «manifestação». Se alguém se manifesta em privado, na sua própria casa, tecnicamente não se pode considerar isso uma manifestação, mas apenas «armar em parvo» ou «fazer figura de burro».
O Boston Tea Party foi um excelente exemplo de uma manifestação, em que americanos ultrajados, disfarçados de índios, lançaram à baía chá inglês. Mais tarde, índios disfarçados de americanos ultrajados atiraram ingleses verdadeiros à baía. A seguir, ingleses disfarçados de chá, atiraram-se à baía. Finalmente, mercenários alemães, envergando apenas a indumentária de As Troianas, saltaram para a baía sem razão aparente.
Quando se faz uma manifestação é bom levar um cartaz exprimindo o que se pretende. Sugestões para algumas pretensões: 1) baixar impostos; 2) subir os impostos; 3) deixar de sorrir aos Persas.
Outros métodos de desobediência civil:
Parar em frente do City Hall e entoar a palavra «pudim» até que as nossas exigências sejam satisfeitas.
Engarrafar o trânsito levando um rebanho de carneiros para a zona comercial.
Telefonar aos membros do establishment e cantar «Bess, agora o meu amor és tu» ao telefone.
Vestir-se de polícia para saltar à corda.
Disfarçar-se de alcachofra e beliscar as pessoas ao passar.
As pessoas ou partidos contra os quais a revolução é feita denominam-se «opressores» e reconhecem-se facilmente por parecerem ser os únicos que se divertem. Geralmente, os «opressores» vestem fatos, possuem terras e põem os rádios muito alto até às tantas da noite sem que os insultem. A tarefa deles é manter o status quo, uma situação em que tudo permanece na mesma, ainda que tenham vontade de pintar de dois em dois anos.
Quando os «opressores» se tornam demasiado ríspidos temos aquilo a que se chama um estado policial, onde todas as dissenções estão proibidas, tal como o está rir entre dentes, aparecer com um laço ao pescoço ou chamar «Bucha» ao presidente da Câmara. As liberdades civis num estado policial estão muitíssimo limitadas, e a liberdade de expressão é desconhecida, apesar de ser permitido utilizar mímica num relatório. Não se toleram opiniões críticas sobre o Governo, especialmente a respeito da forma como os seus membros dançam. A liberdade de imprensa também está limitada e o partido no Poder «controla» as notícias, permitindo aos cidadãos ouvir unicamente as ideias políticas aceites e os golos que não provoquem desassossego.
Os que se revoltam são conhecidos por «oprimidos» e geralmente podem ser vistos movendo-se em grupos, a resmungarem ou a queixarem-se de dores de cabeça. (Há que assinalar que os opressores nunca se revoltam ou tentam transformar-se em oprimidos, porque isso acarretaria mudarem de roupa interior.)
Alguns exemplos de revoluções famosas:
A Revolução Francesa, em que os camponeses tomaram o Poder pela força e mudaram rapidamente as fechaduras das portas do palácio para que os nobres não pudessem voltar a entrar. Depois fizeram uma grande festa e banquetearam-se à grande. Quando os nobres finalmente recuperaram o palácio viram-se obrigados a fazer limpeza e encontraram muitas nódoas e queimaduras de cigarro.
A Revolução Russa, que fermentou durante anos e estalou de repente quando os servos finalmente perceberam que o czar e o tzar eram uma e a mesma pessoa.
Convém lembrar que quando uma revolução acaba os «oprimidos» frequentemente assumem os Poder e começam a actuar como os «opressores». É claro que a partir dessa altura é muito difícil contactar com eles pelo telefone e é de esquecer por completo o dinheiro para cigarros e pastilhas elásticas que emprestámos durante a luta.
Métodos de desobediência civil:
Greve de fome. Aqui, os oprimidos renunciam a comer até que lhes satisfaçam as suas exigências. Os políticos traiçoeiros deixam frequentemente biscoitos ao alcance da mão ou talvez mesmo queijo cabreiro, mas tem de se lhes resistir. Se o partido no Poder consegue que o grevista cama, é-lhe geralmente fácil sufocar a insurreição. No Paquistão quebrou-se uma greve da fome quando o Governo fabricou uma vitela cordon bleu extraordinariamente requintada, que as massas acharam demasiado atraente para ser recusada, mas pratos de gourmet como esse são raros.
O problema da greve da fome é que passados vários dias pode-se ficar muitíssimo esfomeado, especialmente quando carros de som são pagos para percorrerem as ruas dizendo, «Hum… que frango tão bom. Hum… que ervilhas… Hum…»
Uma variante da greve da fome para aqueles cujas convicções políticas não são tão radicais consiste na recusa em utilizar cebolinho. Este pequeno gesto, quando utilizado a propósito, pode influenciar brutalmente um Governo, e toda a gente sabe muito bem que a teimosia de Mahatma Gandhi em comer apenas salada sem tempero envergonhou de tal maneira o Governo britânico que o levou a fazer várias concessões. Para além da comida há outras coisas de que se pode desistir: jogar whist, sorrir e ficar ao pé-coxinho imitando um flamingo.
Greve sentada. Uma pessoa vai para o lugar previsto e senta-se, mas é preciso sentar-se bem sentado. Caso contrário fica-se de cócoras, posição que não tem qualquer impacte político a não ser que o Governo também esteja de cócoras. (Isto é raro, ainda que um Governo se possa ocasionalmente agachar quando está frio.) O truque consiste em permanecer sentado até que se obtenham concessões. Mas, tal como a greve da fome, o Governo tentará utilizar processos subversivos para fazer o grevista levantar-se. Podem dizer: «Ora bem, todos de pé! Vamos fechar.» Ou: «Podem-se levantar só por um minuto? Só queremos ver que altura têm!»
Manifestações e marchas. O objectivo essencial de uma manifestação é que seja vista. Daí o nome «manifestação». Se alguém se manifesta em privado, na sua própria casa, tecnicamente não se pode considerar isso uma manifestação, mas apenas «armar em parvo» ou «fazer figura de burro».
O Boston Tea Party foi um excelente exemplo de uma manifestação, em que americanos ultrajados, disfarçados de índios, lançaram à baía chá inglês. Mais tarde, índios disfarçados de americanos ultrajados atiraram ingleses verdadeiros à baía. A seguir, ingleses disfarçados de chá, atiraram-se à baía. Finalmente, mercenários alemães, envergando apenas a indumentária de As Troianas, saltaram para a baía sem razão aparente.
Quando se faz uma manifestação é bom levar um cartaz exprimindo o que se pretende. Sugestões para algumas pretensões: 1) baixar impostos; 2) subir os impostos; 3) deixar de sorrir aos Persas.
Outros métodos de desobediência civil:
Parar em frente do City Hall e entoar a palavra «pudim» até que as nossas exigências sejam satisfeitas.
Engarrafar o trânsito levando um rebanho de carneiros para a zona comercial.
Telefonar aos membros do establishment e cantar «Bess, agora o meu amor és tu» ao telefone.
Vestir-se de polícia para saltar à corda.
Disfarçar-se de alcachofra e beliscar as pessoas ao passar.
Sem Penas, Woody Allen
1 Comments:
Esta aqui um bom manual para o perfeito revolucionario. So nos resta aplicar conforme as circunstâncias...
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