18.11.04


Nino Rota nasceu em Milão em 1911. Desde cedo considerado um menino-prodígio, Nino Rota compôs várias óperas e colaborou em várias peças de teatro, mas foi no cinema que se evidenciou, muito por culpa do Óscar atribuído pela academia americana, premiando o seu trabalho em "O Padrinho II". Muito antes, em 1952, Nino Rota havia iniciado uma colaboração que se revelou duradoura com Federico Fellini. O Xeique Branco foi o primeiro de muitos filmes em que este abençoado casamento entre génios brilhou. Seguiram-se um punhado de obras importantes: "A Estrada", "A Doce Vida", "Oito e Meio", "Julieta dos Espíritos", etc., em que desenvolveram um universo onírico assente no diálogo entre imagem e som que se complementam de forma única, circular e emocionante, bela e profundamente tocante, sempre pintado pela fantasia de ambos. De Nino Rota, Fellini disse:

(...) Mas o colaborador mais precioso que tive, posso responder sem pensar, era Nino Rota. Entre nós houve um entendimento imediato, pleno, total, desde o Xeique Branco, o primeiro filme que fizemos juntos. O nosso entendimento não precisou de rodagem. Eu tinha resolvido ser realizador e Nino já existia como premissa para que eu continuasse a sê-lo. Tinha uma imaginação geométrica, uma visão musical de esferas celestes, pelo que não tinha necessidade de ver as imagens dos meus filmes. Quando lhe perguntava que motivos tinha em mente para comentar esta ou aquela sequência sentia claramente que as imagens não lhe diziam respeito: o seu era um mundo interior, a que a realidade tinha pouca possibilidade de acesso. Vivia a música com a liberdade e a facilidade de uma criatura viva numa dimensão que lhe é espontaneamente congenial.
Era uma criatura que trazia consigo uma qualidade rara, aquela qualidade preciosa que pertence à esfera da intuição. Era este o dom que o mantinha inocente, gracioso, alegre. Mas não gostaria que me interpretassem mal. Quando se apresentava a ocasião, e até quando a ocasião não se apresentava, dizia coisas muito perspicazes, profundas, dava opiniões de impressionante exactidão sobre homens e coisas. Como as crianças, como os homens simples, como certos sensitivos, como certa gente inocente e cândida, dizia inesperadamente coisas deslumbrantes...
(...) Eu punha-me ali, junto ao piano, a contar-lhe o filme, a explicar-lhe o que pretendia sugerir com esta ou aquela imagem, com esta ou aquela sequência; mas ele não me seguia, distraía-se, embora fosse concordando, embora fosse dizendo que sim com grandes gestos de assentimento. Na realidade estava a estabelecer contacto consigo próprio, com os motivos musicais que já tinha dentro dele. E quando se estabelecia esse contacto, já não me acompanhava, já não me ouvia, punha as mãos no piano e lá ia ele como um médium, como um verdadeiro artista. No fim, eu dizia-lhe: «É lindo!» Mas ele respondia-me: «Já não me lembro de nada.» Eram as catástrofes a que depois tínhamos de fazer frente com os gravadores. (...)
Era uma verdadeira alegria trabalhar com ele. A sua criatividade sentíamo-la tão próxima que nos comunicava uma espécie de embriaguez até nos dar a sensação de que éramos nós próprios que estávamos a compor a música.
Nino chegava no fim, quando o stress pela rodagem, a montagem, a dobragem tinha atingido o máximo, mas logo que ele chegava o stress desaparecia e tudo se transformava numa festa, o filme entrava numa zona alegre, serena, fantástica, numa atmosfera da qual recebia como que uma nova vida. E era sempre uma surpresa quando, depois de ter posto no filme tanto sentimento, tanta emoção, tanta luz, ele se voltava para mim a perguntar-me, aludindo ao protagonista: «Mas aquele quem é?» «É o protagonista», respondia-lhe eu. «E o que é que faz? - acrescentava ele em tom de censura - Tu nunca me dizes nada!» A nossa era uma amizade vivida com os sons.
(In Fellini por Fellini)

Nino Rota faleceu no dia 10 de Abril de 1979. Para sempre ficam as melodias que criou. Aqui ficam alguns excertos, interpretados pelo Nino Rota Ensemble: