21.11.04

Pequeno pensamento de pobre bicho

Faço bem em me ocultar, pensou o caracol, recolhido na frescura da sua casca. Não me meto com ninguém, ninguém se mete comigo. Estou afastado das intrigas, dos bate-boca, dos bate na boca, das cornadas viscosas, dos maledicentes que espalham ranho por tudo quanto é sítio só pelo prazer de fazer a sua rinorreia brilhar mais e mais alto, sob o sol ardente. Não quero saber desses outros caracóis, promíscuos na crítica, nem das amigas tartarugas vencedoras de corridas fabulosas. Eu vou ao meu ritmo, às vezes parado, recolhido, produzindo o muco que me vai apetecendo, aquele e só aquele, o indispensável para manter os cornos com viço nas alturas de sair da casca. Mas bem sei, bem sei: um dia destes, quando for atraído pela gula que do pecado não se livra e ceder à tentação de sair desta frescura só minha, nessa altura irei parar a um prato qualquer - serei petisco para alguém; ou então, serei esmagado por uma patada maior.