22.12.04



(...) "Em 1913 parti para o norte com uma grande expedição. Instalámo-nos na Ilha de Baffin e, quando não estava ocupado com a exploração, filmava alguns esquimós que viviam connosco. Não tinha experiência cinematográfica e os resultados não foram famosos. Mas como ia realizar outra expedição, arranjei mais negativos para desenvolver o primeiro filme. Mais uma vez, entre explorações, continuei a trabalhar no filme. Após muitas dificuldades que envolveram a perda de uma lancha e o naufrágio do nosso barco, obtivemos um filme notável. Por fim, após passar um Inverno nas Ilhas Belcher, eu e o comandante, um mestiço de Moose Factory, partimos para a civilização, com as minhas notas, mapas e os filmes. Tinha acabado a montagem do filme em Toronto, quando os negativos arderam e fiquei sem nada. No entanto, a prova montada não se queimou e foi mostrada várias vezes, o suficiente para eu perceber que não era boa. Mas percebi que se pegasse numa única personagem e fizesse dela exemplo dos esquimós como os conhecia há tanto tempo e tão bem os resultados valeriam muito a pena. Voltei ao Norte, desta vez só para fazer o filme. Levei não só câmaras mas equipamento para revelar e projectar as imagens para que a minha personagem e a família entendessem e apreciassem o que eu fazia. Assim que viram os primeiros resultados, Nanook e a sua gente renderam-se. Por fim, em 1920, achei que já tinha filmado cenas suficientes para fazer o filme e preparei-me para regressar a casa. O pobre Nanook começou a rondar a minha cabana falando dos filmes que ainda podíamos fazer, caso eu ficasse mais um ano. Nunca entendeu por que me dera a tanto trabalho para fazer dele um "grande aggie".
Menos de dois anos depois, soube que Nanook se aventurara muito para o interior, em busca de veados e que morrera de fome. Mas o nosso "grande aggie", tornado "Nanook do Norte", chegara já aos cantos mais estranhos do mundo e mais homens do que as pedras existentes no litoral da terra de Nanook tinham visto Nanook, o esquimó simpático, corajoso e simples."


Assim começa Nanook, o primeiro filme realizado por Robert Flaherty, explorador que na sétima arte fez história ao assinar um punhado de bons filmes. Flaherty é por muitos considerado o "pai do documentário", esse estilo que com ele assumiu contornos narrativos e poéticos. Em Nanook, Flaherty acompanha uma família de esquimós captando a incessante procura por comida numa nómada jornada pela sobrevivência sob o alvo signo da ternura familiar que em ambiente hostil se une nesse outro mundo em que a fortuna são morsas. Soube Flaherty mostrar-nos a bravura e a despreocupação de um povo obrigado a arrancar do gelo a vida, ciente de que viver depende da fortuna de se ser forte, lutando tenazmente pela conquista dos dias. A nós é-nos "sugerido" que vislumbremos no sincero sorriso de Nanook o rosto da felicidade que Flaherty viu em circunstâncias tão adversas, testemunhou e deu ao mundo neste belo filme que vivamente se aconselha.