Novela à Portuguesa - 2ª Parte
[1ª Parte (Intróito), em baixo]
Assistimos nós ao brilhante enredo em que a tensão está patente e é latente nos casamentos entre forças políticas. Propostas que avançam e recuam. Parceiros que se zangam e fazem as pazes, que consultam as respectivas famílias tomando o pulso das opiniões que ditam as linhas com que se cosem interesses, com o fito de tomarem a decisão última. Um dia estão bem. No dia seguinte estão mal. Num dia andam de braço dado, fortes e protegidos pelo signo da boa estabilidade, no dia seguinte acham que devem de seguir a sua vidinha em separado, cada um para seu lado porque assim é melhor para todos. E neste vai-não-vai, a expectativa mantém o fiel espectador agarrado aos acontecimentos, porque, é sabido: o suspense é uma inestimável arma em qualquer narrativa que se preze e que tenha a augusta intenção de atrair para si a atenção de todos os públicos, os exigentes e os que tudo papam, como a malta diz. Vão juntas ou separadas para o "paredão"?, como diria o grande homem-musculo e actor de alto gabarito vindo das artes brasileiras directamente para uma Quinta portuguesa tornada show rural do mais célebre que há, espectáculo que tanto eleva o termómetro da febril luta pelas audiências. Sim, que vai acontecer? Vão para a(s) urna(S) juntos ou separados? E o sr. Presidente? Quando é que esta ilustre personagem explica ao grande público as sérias razões que o levaram a perpetrar o inefável acto de matar um Governo-bebé sem dar cavaco a terceiros? Ardemos nós em expectativa, mal podendo esperar pelos escaldantes episódios que se avizinham.
Mas de outras famílias vive a novela, outros ramais que se entrecruzam na trama, porque também aqui se entranha o atrevido bichinho da política. São personagens de outra fibra, de outra prosápia: uma brasileira metida no barulho, ela que também é portuguesa, porque, para tornar o conflito mais aliciante, acumula nacionalidades. Brasileira no Brasil, portuguesa em Felgueiras, Fátima promete voltar ao seu mau país mau lá para Março e, num episódio que se espera de grande dramatismo, entregar-se, de mãos vazias, desprovida do enigmático saco azul, entregar-se, escrevia-se, nas mãos da Justiça, tão injusta para com ela. É esta personagem bem construída. Respira povo, é religiosa, de lágrima fácil, parece audaz e tenaz e promete lutar pela inocência que está na sua limpa consciência. E vem para cá, para a sua outra pátria, como já mandou recado em forma de panfleto que circula pelo seu povo de Felgueiras, e logo nesta altura em que o espírito natalício anda à solta, nesta quadra tão propícia ao toque no coração benevolente. E, além disso, tem a certeza de que voltará para governar, desafiando tudo e todos, porque o povo - acredita e pede - está com ela. Com este pulso, quem a vai parar? Mas a dúvida ainda se mantém: vem ou fica? E o povo, como vai ele reagir? Vai apoiar a sua heroína e envolver-se em confrontos com os da lei? Vão ser – não temos dúvidas – episódios de grande interesse. É que por essa altura ainda decorrerá outra história paralela que bem aqui se intromete porque da Justiça também nasce. Casa Pia, claro está. Essa, então, promete ser história sempiterna. Por ora, na Boa Hora, gastou-se dinheiro para albergar jornalistas em salas que, ainda não estreadas, já estão entregues ao bom abandono. É que não é aquele Tribunal adequado para receber o julgamento. Tem de ser outro. Monsanto, talvez. Mas este também não parece querer receber o mediático processo: também lhe falta qualquer coisa. Se a realidade tornada argumentista se lembrar, irá ser na praça pública, onde os arguidos são condenados pelos impropérios e pelas vergastadas da população, sempre pronta para dizer e fazer justiça, e sem dúvidas da pena a aplicar. Com este caso, emparelha um outro, que, à semelhança do do saco azul, também envolve um objecto, ou uma arma, se quisermos inculcar dramatismo. É o tonitruante caso do "Apito Doirado". Muitos episódios irão alimentar os ávidos espectadores. E tem de tudo para ser um sucesso inolvidável: rola na esfera dos futebóis, com a vantagem de abordar o lado negro do desporto reinante no rectângulo nacional. Ainda por cima, conta com personagens recheados de qualidade: papas sem papas na língua (muito dada à ironia, corrosiva e hilariante, que, não raras vezes, são uma e a mesma coisa). Com personagens como o Sr. Pinto da Costa, o sucesso está garantido. Pois é ele o poderoso dragão da grande nação portista que ainda ferve em palavras de ordem tão quentes como aquele histórico e ameaçador cântico que rezava a seguinte tragédia: “só queremos ver Lisboa a arder”, cantoria prenhe de alegre fúria alcoólica. E, já se sabe,: se o assunto toca o futebol, toda a gente está envolvida, desde políticos a treinadores de bancada, desde árbitros a curiosos anónimos, porque não há quem não tenha uma opinião.
Sendo o futebol tão "globalizante", servindo de súmula sem sumo, acabamos por aqui a rápida espreitadela que fizemos à real novela à portuguesa. Acaso o caríssimo leitor tenha tido a paciência de até aqui chegar, talvez desabafe: perdi eu o meu tempo para ler esta porcaria embrulhada em verborreica nulidade e de nada me serviu, nada aprendi, nada se me revelou, com a agravante de não ter fim digno desse nome. Responderá o atormentado autor: assim são algumas novelas. O título da peça não era publicidade enganosa.
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