25.11.04

De Canas à Boa Hora

Em Canas de Senhorim o povo deita-se à rua, deita-se na rua, acorrenta-se, corta vias, pára comboios, quer e promete luta. Querem a elevação a concelho que o Sr. Presidente, dizem, lhes prometeu e que agora vem dar o dito pelo veto. Que não, assegura o Presidente. Nunca prometera nada a ninguém. E, de mais a mais, isto está a tornar-se num caso de polícia, um ataque - intolerável, de resto - à pobre democracia, essa menina desgastada e maltratada que em tanta boca tem sido emporcalhada e vítima de sevícias, logo a ela que ainda é criança a querer crescer neste jardim, também ele, por desgraçado sinal, pouco cuidado. Levanta-se o circo que promete não abandonar os nossos telejornais, a avaliar pelas intenções dos cidadãos organizados em comissões, muito decididos como estão em manter o tom aguerrido das suas reivindicações. Agradece a televisão que tem material do melhor, e em directo, indagando e tomando o pulso à desordem provocada pelos populares, porque o povo interessa-se (e de que maneira!) por estas margens noticiosas: zaragatas, protestos, acidentes aparatosos, escândalos e matanças, incêndios à porta de casa. E com mais não se deleita porque a Alta Autoridade para a Comunicação Social, essa coisa sem credibilidade na boca de certa gente política com laranja (coligada) ao peito, conseguiu acabar com a publicidade de programas nos noticiários das televisões. E por falar em publicidade, já rolam os cuidadosos grafismos que embalam a próxima maratona noticiosa que se avizinha: o julgamento da Casa Pia. A SIC reclama para si a justiça de ter sido a primeira a denunciar o caso e promete a isenção que os caracteriza na cobertura do acontecimento, com início marcado para as geladas oito da matina. E todas as estações farão as suas emissões especiais. Jornalistas irão estar na sala arranjada para albergar os senhores profissionais da comunicação no Tribunal da Boa Hora, esperando por ela, a hora em que alguém lhes trará o relato do lado de lá da porta porque vai ser este um julgamento à porta fechada. Mas mesmo que sejam poucos os minutos de comunicados, as emissões vão durar horas e horas onde se abrem os arquivos, repetindo as muitas imagens de que se dispõe de dois longos anos repletos de acontecimentos, novamente recordados, passo a passo. O início, as voltas, as reviravoltas, os escândalos, as dores, as angustias, as caras (as desfocadas e as captadas no frame exacto da entrada nos calabouços da judiciária), os advogados, as trocas de advogados, os juízes, as danças dos juízes, as saídas apoteóticas comemoradas em Assembleias, enfim, tudo será recordado, enquanto se vai pedindo, ao mesmo tempo, serenidade, calminha nos comentários, mas, se para isso lhes der, plantam-se nos portões das casas dos arguidos à espera de entradas e saídas ou de alguma palavrinha, se fizer o favor que a gente está em directo e não custa nada. E Deus queira que não haja um surto de notícias-parasita, nascidas no caldo primordial das fugas de informação. Não há-de acontecer. Vai tudo correr, em marcha lenta, com serenidade a rodos e muitas horas de informação, com um olho no julgamento, e, talvez, outro nos medidores de audiências. Espera-se que não. Espera-se contenção. A ver vamos o que nos dão.

1 Comments:

Blogger MG said...

pois, é o costume num pais de tradições...

4:49 da tarde  

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