Diálogos de Morte # 6
Uma boa alma que em itálico fala com o "nosso amigo"... - Quer ajuda? - Ajuda? - Sim. Está bem? Parece que caiu... - Estou a descansar. - Aqui no chão, no meio da rua? - Não lhe parece bom sítio? Queria que escolhesse um banco, um centro comercial, uma esplanada ou outro lugar mais... civilizado, entre comas? - Não tenho nada a ver com isso, mas, enfim, só quis ajudá-lo... Está bem, não é verdade? - Não, não é verdade. Estou pessimamente. Estou de rastos, não vê? - Disse que estava a descansar. - Precisamente. Por estar de rastos, com uma depressão que não lembra ao diabo, descanso, que é coisa recomendada para os males de cabeça, ou é esta ideia mentirosa? - Se não está bem, devia ir a um médico. - Ah, pois devia!, para acabar de vez com este estado d'alma. Ou então, conhecer um vendedor de órgãos que me trocasse este cérebro por um enrugado de novo. Mas disso, parece-me que não há. Ou existe, cavalheiro? - Que eu saiba, não existe, não, mas um psiquiatra sempre o ajudava... - A sua bondade de ouvinte é quase ofensiva. Sinto-me um desgraçado que não tem com quem falar. - Ora essa! - Ora esta! Estou aqui a descansar os ossinhos e chega uma alma caridosa, dizendo-me que ainda há gente assente em duas pernas capaz de olhar para o solo e ver que um outro está lá, por terra deitado. O senhor, não sei se sabe, mas acautele-se: é um ser em vias de extinção! - Não acho nada disso. Se calhar está a ver as coisas assim devido ao seu estado. - É do meu Estado, sim senhor. O meu e o seu! A culpa é do Estado. É sempre, ou não é assim? Esse filho da mãe é que tem a culpa. Toda. Sempre. Foi ele, precisamente ele, que me mandou, que me deitou nesta rua, obrigando-me a reflectir o fado, sobre a calçada. Eu, que nada fiz, estou inimputável! - É preciso ter calma. - É preciso ter alma! - Não sei o que lhe aconteceu, mas nem sempre as coisas correm bem. - Claro que não, até há correrias que acabam em morte. Pensava nisso no milagroso instante em que o senhor me interrompeu. Dizia para os meus botões: e se eu corresse para debaixo de um comboio? Mas chegou o senhor, que menos não é do que um santo, ou um "anjo-guarda", à sua maneira, assim à paisana, e logo as velozes asas do pensamento se quebraram. - O senhor desculpe-me, mas tem dinheiro para consultar um psiquiatra? Acho que lhe fazia bem. - A sua sensatez é comovente. De facto, nada melhor do que pagar: sentia-me muito melhor se pagasse para ser ouvido. Esta forma gratuita como estamos aqui os dois à conversa no meio da rua é constrangedora. Mas não ignoro a sua pergunta, que não tenho lábia de político, sempre a fugir com o traseiro à seringa jornalística. Tenho dinheiro, sim senhor. Não é por estar a descansar e a pensar na rua... - Não queria dizer isso... - Mas disse. E fez muito bem. Estou certo de que o senhor me pagaria uma consulta com um especialista dos miolos, para ele desempanar esta cabeça. E eu muito lhe agradecia. Imagino o preço das drogas precisas para este fim. - Então consulte um. - Meu senhor, olhe à sua volta: aqui à sua direita, este belo edifício, está a vê-lo, não está? Esta casa é, precisamente, a casa do senhor Júlio de Matos, um grande quartel-general. Ainda antes do tal pensamento da corrida para a linha-férrea, tinha eu pensado: entro aqui ou sigo para o comboio? - Desculpe, não sabia que aqui... - Está mais do que desculpado: está abençoado. Também o senhor já sabe onde fica o hospital dos varridos. Se um dia precisar, não se acanhe, nem tenha medo: a porta da ajuda, no que aos terrenos da cabeça diz respeito, é aqui. - Mas já decidiu? Vai entrar? - Ainda é coisa a considerar. - Não perde nada. - A questão é se ganho alguma coisa, que perder já é coisa que bem conheço. Olhe o meu juízo? Não lhe parece perdido, assim... fantasma vagueando no ar? - Não sei: não o conheço. - Nem eu! O senhor conhece-se? - Claro! - Pois no dia em que acordar pela manhã e esse conhecimento lhe parecer escuro, não deite as mãos à cabeça: deite a cabeça nas mãos. - Desculpe-me, mas o senhor está confuso. Eu vou consigo lá dentro. - E vamos como? De mão dada? Dos maiores desgostos que guardo, o de nunca ter tido uma ama-seca, é, de longe, o maior. Ou vai dizer que é meu amigo desde a guerra? - Vou dizer a verdade. - A verdade... não se meta com essa puta! Diga antes que é meu filho. Quer ser meu filho? Ou ao contrário, tanto me faz. Prefere adoptar-me? - Vá, venha lá. - Como seu pai ou como seu filho? - Como amigo de guerra. - Cá está: fugiu da verdade - está no bom caminho. E por falar em caminho: siga lá o seu, meu filho. - E o senhor? - O Senhor há-de mandar-me fazer qualquer coisa: ou vou de comboio para o céu, ou vou a pé para o paraíso. - Olhe, faça o melhor para si. - Que você a mais não é obrigado, não é assim? - Mas ficava mais descansado se o visse entrar no hospital. - Cavalheiro, tudo o que desejo é descansá-lo, não tenha a mais miúda dúvida. - Então, entre. - E vou entrar, boa alma. Se não estivesse a vê-lo com carne e osso agarrados à língua, diria que o senhor não existe senão na minha deliciosa e salvadora imaginação. Veja como me levanto; veja como caminho; veja como entro no Quartel-general, dando ouvidos a um conselho desconhecido, mas que seja, sempre, o que eu quiser! Não é assim? - É. - Assim é, cavalheiro. Siga também você o seu caminho, e que ele não seja... penado. Que a sua vida, ó boa alma, seja sempre um presente, sem veneno. |
17 Comments:
Irra, ó R! Este já é Arte. Por conseguinte, e dado o branco imaculado das caixas de comentários: pérolas a porcos.
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Nada de novo, caro Dragão. Há os suínos que chafurdam em merda à cata de bombas brutas; e há os outros que se deliciam com ostras recheadas. Aqui o "sem-apelido" (e sem arte) contenta-se em saber o que verdadeiramente interessa: O mundo ainda tem "Dragões", caralho! Bem-haja! Bem-haja, ó Dragão.
calma aí,ó Dragão! não é preciso insultar.... quem por aqui anda quase desde o princípio é porque gosta de ostras recheadas e outras iguarias como as que se servem também lá no seu estaminé (mesmo que deixe em branco a caixa dos comentários). agora, insultos é que não, caralho!
parabéns caríssimo R! vamos andando...
calma aí,ó Dragão! não é preciso insultar.... quem por aqui anda quase desde o princípio é porque gosta de ostras recheadas e outras iguarias como as que se servem também lá no seu estaminé (mesmo que deixe em branco a caixa dos comentários). agora, insultos é que não, caralho!
parabéns caríssimo R! vamos andando...
ostras recheadas?! Um bom pires de caracois...e e... Ah, e quem não comenta é suíno?! Deixe-me que lhe diga que gostar de "petiscos" e saber confeccioná-los não legitima a arrogância para com quem não quer comentar o tempero... Estima pelo que faz não lhe falta, falta-lhe a modéstia dos bons "cozinheiros"! Caralho! (só pra não destoar de todo)
cumprimentos
O Duarte come pérolas, é? Pois é exactamente o que penso que faria um suíno ao abrir uma ostra recheada...
Leve-me a mal à vontade que pouco me importo. Que faz por aqui se não gosta do que lê? Eu gosto e muito! Mas tb concordo que foi precipitado quem afirmou que quem não comenta não merece o que lê...
pelos vistos, foi a melhor forma de gerar comentários... ;)
sim, a coisa não é assim tão especial para ser comparada a pedra preciosa, mas acho que os suínos ficavam bem melhor fora da conversa. Afinal há um prestígio a manter... ;)
Deixem-se de merdas e deixem o r entreter-nos mais uns segundos por dia. Afinal, a blogosfera é imensa... há muito para lêr e pouca paciência para comentários obtusos e infrutíferos
Mas que grande confusão que se gerou nesta caixa! E por tão pouco, digo eu, discutindo-se o acessório, com interpretações em minha opinião desajustadas ao que aqui se escreveu. Acaso alguém disse que quem não comenta é porco? Para que se clarifique, a expressão idiomática "deitar pérolas a porcos" traduz-se em desperdiçar. Creio, por isso, que o Dragão, exímio escriba, quis dizer exactamente isso: um desperdício, uma vez que ninguém se manifestou. Eu, quiçá inflamando a coisa, peguei no seu comentário e "brinquei" com a expressão, como em tantas outras vezes, respondendo ao comentário, não me dirigindo a vós, outros leitores, e muito menos querendo sugerir que quem não comenta é quadrúpede da classe dos mamíferos e da família dos suídeos; ou que é indivíduo sujo ou imundo. Portanto, muito estranho algumas reacções que alegremente se concentraram nos pobres animais e nas preciosidades que por aqui não se expõem.
Mas muito me apraz a sensatez de Raqs, que bem resumiu esta série de comentários. Afinal, que interessa se aqueles "inocentes" diálogos são pérolas, pires de caracóis ou outro petisco qualquer? Se caem no goto ou se "vão ao goto"? Bons ou maus, para mim têm uma função: divertir-me ao fazê-los. Se diverte mais alguém, muito bem; quem quiser comentar, comenta; quem não quiser, não comenta. Não são uns "limpos" e outros "porcos", por isso.
Contudo, reconheço que a linguagem que aqui se emprega é, de certa maneira, dúbia, susceptível de várias interpretações. "Brinca-se" com as palavras, por vezes em tom irónico ou incendiário, o que, reconheço, pode ser perigoso, ao ponto de se confundir as coisas, ao ponto de me acharem arrogante e imodesto, o que, sinceramente, Sr. Duarte Rios, pouco me importa. Tem o senhor a sua opinião a partir das palavras que lê, sobretudo, como as lê. E com todo o gosto o cumprimento, até porque não deixo de reparar que diz "um bom pires de caracóis". Podia considerar o cozinhado intragável, péssimo ou execrando, mas considera-o bom, apesar das reticências.
Finalizando, quero dizer-vos que me entristece este género de confusões nesta pacata toca, tão pouco visitada, quase nunca comentada (e, pelos vistos, ainda bem!) e que, de repente, salta num alarido sem sentido. Tenho estima por todos quantos aqui entram, e, sinceramente, não vejo motivo para quem quer que seja se sentir ofendido.
A todos, sinceros cumprimentos.
É bom que admita o caracter dúbio e dado a múltiplas interpretações da sua escrita! Só que - atenção! - não deixa de ser um problema que lhe pode causar dissabores não passar pelo menos a essência da sua mensagem de forma clara. A escolha é sua, claro, mas quem se expõe no desequilíbrio está sujeito a quedas. Se aqui estou é porque dou o meu tempo por bem gasto. E tenho mesmo muita pena de, logo na primeiríssima vez que comento um post de um blog, ter sido desagradável e, como diz a Raqs, obtuso. Mas não creio que infrutífero, porque a sua resposta, claríssima e nobre, revela um bom homem que sabe que também tem a sua quota parte de culpa neste equívoco. Desculpe e continue o bom trabalho, ou o que quer que lhe chame.
pnc:
Consigo não tenho quaisquer problemas em ser rude: continue a chupar a pila assim que vai longe
UI que porco Duarte! Mas, já agora : antes ou depois de ta enfiar no cú?
(r, desculpa a javardice. Trataria deste assunto fora de tão ilustre e estimada toca, tivesse eu escolha... prometo que não mais comentarei seja o que for neste espaço.)
UI que porco o Duarte! Mas, já agora : antes ou depois de ta enfiar no cú? ;) :wub:
(r, desculpa a javardice. Trataria deste assunto fora de tão ilustre e estimada toca, tivesse eu escolha... prometo que não mais comentarei seja o que for neste espaço.)
It is all getting rather too silly, folks!
(talvez entendam melhor em inglês :/)
ai r... que paciência a tua ;)
Tivemos todos o nosso momento de brejeirice mas está na hora de acabar com isto.
pnc: foste realmente sensual, meu pastelinho de Belém :) E gabo-te a elegância da abordagem a uma possível relação, mas... é o blog errado no momento errado e não ia dar certo.
Duarte Rábilon: o melhor que posso dar-te é a certeza de que algo está a corroer ainda mais o teu fraco carácter: tu pensas que tens piada. É triste. Mas acabou tudo em bem! Não é? Minha Roupa-velha com atum.... ;)
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