(Mas que raio? Então esta porcaria agora não me deixa aqui postar umas fotos? Tanto trabalho, tanta dor de cabeça e...) Caríssimos leitores, Problemas técnicos impedem que à nossa vista salte o selo com o qual, por norma,, damos as boas-vindas ao "Diálogos de Morte". Uma senhora em itálico e um senhor do itálico dispensado apresentam-se já de seguida, debaixo de uma cruz que, embora oculto, contém os seguintes dizeres: "Diálogos de Morte #5". |
- Desculpe, o senhor é o último da fila?
- Não, minha senhora. Estou em último lugar, sim, mas na bicha.
- Ai, isso já não se diz!
- Ora essa, por que raio?
- Então, bicha é...
- Bicha é onde estamos, minha senhora. E por mero acaso, não espero autocarro algum que me leve de carreira ao destino.
- Então o que faz aqui?
- Observo esta maravilhosa civilização, minha senhora. Encanta-me esta incrível espécie humana.
- Não tem mais nada que fazer? Está a ocupar um lugar!
- É um divertimento meu, minha senhora, ou será que estou a atropelar uma lei? Da decência!?
- Está a ocupar um lugar. Os transportes nunca chegam a horas, e se há gente a ocupar um lugar sem...
- Oh, minha senhora, descanse a sua cabeça que me parece (desculpe a ousadia) fresca e irritadiça: eu pouco ocupo.
- Se quer observar, vá para um jardim! Acha bem? Estar aqui, sem propósito?
- Não é sem propósito; é de propósito. Gosto de ver as pessoas pela manhãzinha, depois de despertarem, mas ainda com o cérebro conservado em sono, ou em sonho que são aquelas que mais me excitam.
- Desande mas é daqui! Se não faz nada, deixe os outros que trabalham.
- Ora essa, se não faço nada, forçosamente faço alguma coisa: é matemático! E, de mais a mais, quem lhe diz que não trabalho? Quem lhe diz que neste preciso instante não estou em plena labuta, a exercer a minha meritória função, mergulhado nesta curiosa massa de vivos?
- O senhor não é bom da cabeça.
- Nem do corpo, se quiser estar mais e melhor informada a meu respeito, esta singular silhueta que os seus belos olhos mar têm a graça de observar.
- Olhe também eu não!
- Também não?
- Também sou doente.
- Oh, minha senhora, mas quem não é? E dê graças a Deus por Ele lhe fazer ver isso.
- Como?
- Saber-se doente. Há muitos que são, e, coitados, vivem numa aflitiva ignorância, sem desconfiarem da enfermidade que os invade, que os corrói, de manso, sub-repticiamente. Mas já agora, faz a fineza de me presentear com o nome da sua enfermidade?
- O que é que está "p'raí" a dizer?
- De que doença padece, minha senhora? Quer partilhá-la?
- Partilhar? Como assim?
- Oh, não desejo a sua doença. De todos os pecados, a inveja não me cobiça. Não a quero, muito obrigado, mas se quiser dizer do que sofre, todo eu sou um ouvido.
- Pronto, tenho enxaquecas. Está satisfeito?
- Satisfeitíssimo. Acabo de descobrir que nem todas as doenças vivem neste meu corpinho. Enxaqueca!... Gosto muito dessa palavra. Mas é maleita chata, não é?
- Horrível! E olhe que o senhor já me está a fazer mal.
- Mais não posso do que pedir-lhe as mais vivas desculpas por das minhas presentes palavras arrancar-lhe uma dor. Não tinha, lho juro, a menor intenção. E não me cai a culpa em cima: foi a senhora quem iniciou esta agradável conversa.
- Agradável? Bolas, apanhar com um número destes logo pela manhã!
- Então, enquanto espera por um número, diverte-se com outro. Qual é o seu destino?
- O meu destino?
- Até onde deseja ser levada pelo autocarro?
- O que é que tem a ver com isso?
- Em rigor, nada, mas a conversa por si iniciada para aqui nos atirou.- Vou para a Estrela.
- Ah, poesia, ao romper da aurora! Sabe?, acabei de decidir que também vou para lá. E mais: cego, sigo o seu conselho - plantar-me-ei no jardim. E dizia a senhora que eu, aqui, nada fazia. Já vê: descobri o meu próximo poiso. Passe bem.
- Então?...
- Sim?...
- Vai a pé? Não vê que o autocarro está a chegar!?
- Ele que chegue e que um raio o parta. Eu, minha senhora, está lembrada?, não o esperava.
- Ele há malucos para tudo.
- Então não há, minha amável senhora! Até há malucos que se imaginam sardinhas com ânsias de se entalarem em caixas rolantes. Veja bem como roda este mundo? Pois que chegue pouco amassada à sua Estrela.
4 Comments:
Caro R,
Estes seus diálogos, hei-de repeti-lo e vou postá-lo lá na minha espelunca, são do melhor que há na blogosfera. São mesmo.
Que as musas nunca o abandonem!...:O)
E eu que pensava que só a minha "cabeça" se "ria"… Sem malícia roubo a sua palavra: “Há pitéus ou beberagens que requerem o paladar de entendidos. O vulgo agonia-se.” E julgo que entendemo-nos, sim: que as musas, caro Dragão, nunca nos abandonem!
E eu que pensava que só a minha "cabeça" se "ria"… Sem malícia roubo a sua palavra: “Há pitéus ou beberagens que requerem o paladar de entendidos. O vulgo agonia-se.” E julgo que "entendemo-nos", sim: que as musas, caro Dragão, nunca nos abandonem!
E se pensam que se riem sozinhos, estão bem enganados.
:-)
Fizeste-me lembrar um amigo (que já não vejo há muito tempo). Ele era dado a passeios como este e dizia-me: "Eu sou inspector do ar..."
E era só isso que ele fazia.
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