O micro-conto
Eis que se desenvolve com algum aparato um género literário de se lhe tirar o chapéu. É mesmo caso para lhe fazermos vénias, sem achincalhamentos nem falsidades. É um grito pequeno mas de grande alcance. É coisa miúda mas para graúdos. É micro, mas de grande profundidade. É o micro-conto. Uma saborosa rapidinha literária que decerto irá cativar grande parte do público nacional que, bem se sabe e vê, é pouco dado a grandes leituras, muito menos aquelas cujo o louco autor tenha talento e paciência para enredar personagens e pensamentos que encham mais de duzentas páginas. Vai-se dar, não duvido nem um bocadinho, uma incrível explosão de novos escritores e novos leitores, principalmente no seio dessa gigantesca classe dos atarefados e enfadados que dizem até gostar de ler, mas que, coitados, adormecem na segunda página. Para esses, suponho, o micro-conto, em franca expansão, vai ser um género de salvação, um rico alívio na consciência torturada, por tanto quererem ler, com tão pouco tempo para o fazer.
Pois eu, astuto aspirante a micro-escritor, deixo aqui uma singela contribuição, obviamente não sujeita a concurso, por um minúsculo escrúpulo de me achar (ainda) um remeloso aspirante, um aprendiz de feiticeiro, sem poções mágicas de sucesso garantido nas algibeiras, nem artes na cabeça e nas mãozinhas que me levem a produzir qualquer coisa que se possa apelidar de obra. É coisa medíocre, dirá com legitimidade o prezado leitor. Corroboro-lhe a sentença. Mas como primeiros passos dados em ciência por conhecer, talvez haja, aqui ou além, uma ou outra palavra em que se note as minhas francas, embora ainda fracas, reconheço, capacidades de um destes dias progredir em direcção do brilhantismo que por ora ainda se vê, salvo seja, opaco. E sem mais rodeios, com as faces ruborizadas, aqui fica a primeira experiência que, não parecendo, me levou trinta minutos do tempo que voa, podendo eu estar refastelado no sofá a ver um pedaço de novela, ou a empanturrar-me com qualquer petisco fast.
O Homem (primeiro micro-conto de um anónimo)
Ele entra numa casa. Sai, com as mãos ensanguentadas. Dirige-se, nervoso, a toda a brida, para um café. Quando entra no café, as pessoas olham, desconfiadas, com as órbitas presas nas mãos daquele estranho homem. Ele disfarça. Pede um café. Comenta: como me sabe bem um cafezinho numa pausa de talhante, cansado de cortar tenra carne. As pessoas sorriem, aliviadas. Ele rosna: idiotas.
Ele entra numa casa. Sai, com as mãos ensanguentadas. Dirige-se, nervoso, a toda a brida, para um café. Quando entra no café, as pessoas olham, desconfiadas, com as órbitas presas nas mãos daquele estranho homem. Ele disfarça. Pede um café. Comenta: como me sabe bem um cafezinho numa pausa de talhante, cansado de cortar tenra carne. As pessoas sorriem, aliviadas. Ele rosna: idiotas.
5 Comments:
Nada mal. Nada mal. :) Ainda que não sujeito a concurso não escapou a uma apreciação :))
Ou muito me engano, ou não costuma Vossa Senhoria pisar estes terrenos. "Apreciações"? Chiça! Deus me livre!
Temos génio, mais um Prémio Nobel a curto trecho, viva o micro-conto!
Alto lá, Mário! Encantam-me os gracejos - com eles gargalho -, mas este é de levar às lágrimas, homem! E só aqui para nós, que ninguém nos ouve: aquela coisa deve estar no "top 10" das piores coisitas que alguma vez alguém teve a audácia de rabiscar. Mas não diga a ninguém! Um abraço.
No outro dia, no DN havia um concurso de "histórias cem palavras", sob o mote de Leonardo da Vinci.
Mandei para lá este:
"NUma tarde de Sábado, igual a tantas outras de subúrbio, entroiu na loja do centro comercial, em aspiração fremente.
Mirou de soslaio outros livros empilhados na montra e parou no escaparate.
Na companhia de amantes de leituras. tocou no objecto do seu desejo: um Código Da Vinci reluzente que há tempos namorava, a vigiar oportunidade de maior intimidade.
Com delicadeza astuta, guardou-o no seio de um casaco, aconchegando a conquista- e saiu.
À porta, esbarrou num uniforme de securitas, com sorriso de GIoconda, aí acabando o namoro."
Sei que os direitos deste micro conto, ficaram para lá, mas quero que se fodam ( os direitos...).
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