29.6.05

Diálogos de Morte # 14

Que bela ideia deu ao nosso herói, caríssima M. , que, depois de com gosto a ler, também ele apressadamente se dirigiu ao assunto, procurando bom desporto. Os resultados, que nem sempre correm pelo melhor, aqui se apresentam, em diálogo, claro está.

- Muito boa tarde.
- Boas-tardes, graciosa senhora.
- Que deseja?
- De antemão lhe pedindo desculpas, atrevo-me a dizer que se tivesse a sua figura nunca descansaria as coisas nesse pé, que os desejos, perante tão belos olhos, podem ser tão ilimitados, que só depois de atingir o Céu teria confissão.
- Diga.
- Não se enfureça, senhora, que bem galantear sobre a verdade, não merece reprimenda.
- Diga.
- Pretendo inscrever-me neste salão.
- Salão?
- Pelo que os meus berlindes observam, diz-me a imaginação que esta casa terá salas a perder de vista.
- E também temos actividades ao ar livre. Quer inscrever-se?
- Se é esse o termo, sim.
- Em quê?
- Em papel. Sempre em papel. Não quero a minha graça em computadores, se fizer a fineza.
- Sim, mas em que modalidade?
- Como pôr na boca o que a cabeça pede… Tem alguma que se oriente pelo Oriente? Que torne o corpo em que a idade ja vai pesando um pouco mais leve de levar, por assim dizer?
- Como assim?
- Digamos assim… Uma coisa total, que sou pouco dado a só trabalhar partes, não falando em partidos, que esses já têm o nome com eles, se bem chega a mim. Actividade para o músculo, osso e alma... Meditabunda!
- Olhe…
- Vejo no seu delineado sobrolho que levou ao peito o rabo da palavra, minha senhora. Meditação, se menos aflição lhe fizer.
- Temos ioga.
- Temos inscrição!
- É muito bom.
- Muito obrigado. Passam-se anos sem ouvir frases tão agradáveis como a que saiu do seu encanto.
- Qual é o seu nome?
- A minha graça é M.A., mas na verdade quero fazer uma inscrição dupla.
- Dupla?...
- Também é meu desejo inscrever o Espírito.
- Desculpe?!...
- O Espírito é um belo animal, minha senhora. E andando tão desassossegado, pensei que
- Um animal?... Não percebo.
- Nem eu. Imagine que numa noite farejou os meus passos, e que desde esse dia, salvo seja, nunca mais quis viver errando.
- Mas um animal?... Ainda não percebo.
- Selvagem mas manso, este Espírito.
- E chama-se Espírito?
- Não é uma boa graça, minha senhora?
- É estranho.
- Mesmo que no seu mavioso tom não lhe note nota de interrogação, lhe respondo: é, é estranho. E rafeiro, se mais deseja entender.
- Não… O nome é que é estranho.
- Ora essa! Na medalha que ostenta sobre esse belo peito leio Florbela.
- É normal!!!
- Já vê: tudo é normal.
- Mas aqui não aceitamos animais.
- Não sou vegetal, bela flor.
- O Espírito é um cão, certo?
- Não me faça pensar, minha senhora.
- Olhe, desculpe lá mas não percebo nada da sua conversa e não estou para aturar malucos.
- Não pensa, bela flor?
- Não penso em quê?!
- Esquecendo o animal que o Espírito é, e noutro contexto analisarmos se o espírito, o outro, é ou não um cão, também ele noutro sentido, não a faz pensar?
- Aqui não podem entrar cães! Ponto final!
- E no jardim, bela flor?
- Ai, ai; ai, ai. Qual jardim?
- Tem esta casa actividades ao ar livre, acreditando na sua insuspeita sinceridade. Se assim é, logo na minha imaginação se plantou um jardim onde praticar o que se paga para usufruir de bom desporto. Ou entro em enganos?
- O senhor quer inscrever um cão em aulas de ioga? Tenha juízo!
- Ajuíze também a senhora, se não lhe transtornar tão meritório exercício. Por que razão não pode um animal estar num jardim?
- São as regras!
- Que cegam!
- Que cegam?
- São as regras que cegam, minha senhora. Noutro jardim, o Espírito vagueia livremente. Neste, não entra, segundo as suas boas regras.
- Não pode. Prontos!
- Prontos? Assim se estraga o ramalhete, minha flor.
- Saia daqui pra fora senão chamo o segurança.
- Acalme a sua raiva e deixe lá enjaulada a sua fera. Para me acompanhar já tenho Espírito, não preciso de primata. Mas, permitindo-me, e se não navego eu a milhas da boa Ilha da Verdade, a filosofia oriental é muito afeiçoada ao animal. Deviam criar um espaço para eles. Quem sabe se a verdadeira fortuna não está em bem cuidar da Natureza, aquela que alberga outros animais além de nós, maus reis deste mundo. É uma sugestão, que de e com graça lhe deixo. Boas-tardes, bela flor. Meditabundas.

1 Comments:

Blogger dragão said...

* * * * *
Cinco estrelas.

7:22 da tarde  

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