22.10.04



(...)
Mas numa noite de Outono, quando os ventos ainda permaneciam no céu, Morella chamou-me ao seu lado. Havia um nevoeiro sombrio por toda a terra, um brilho quente nas águas, e por entre as folhas de Outubro da floresta, certamente se formou um arco-íris no firmamento.
- Este é o dia dos dias - disse, quando me aproximei - o dia de todos os dias para viver ou morrer. É um bom dia para os filhos da terra e da vida. Ah, mas um dia melhor para as filhas do céu e da morte!
Beijei a sua testa, e ela prosseguiu:
- Estou a morrer. No entanto, viverei!
- Morella!
- Os dias em que me amarias nunca chegaram. Mas aquela a quem odiavas em vida, irás adorar na morte.
- Morella!
- Repito: estou a morrer. Mas em mim está uma lembrança daquela afeição - ah, tão pequena - que sentiste por mim: Morella. E quando o meu espírito partir a criança viverá - a tua criança e a minha. De Morella. Mas os teus dias serão dias de dor - aquela dor que é a mais duradoura das impressões, como o cipreste é a mais duradoura das árvores. Porque as horas da tua felicidade acabaram e a alegria não se colhe duas vezes na mesma vida, como se colhem as rosas de Paestum duas vezes por ano. Então, não voltarás a jogar o jogo dos habitantes de Teos com o tempo mas, desconhecendo a murta e a vinha, levarás contigo o teu sudário na terra, como os Muçulmanos fazem em Meca.
- Morella! - gritei. - Morella! Como sabes isso? - mas ela virou o rosto para a almofada e, com um ligeiro tremor nos seus lábios, morreu. E eu não voltei a ouvir a sua voz.
No entanto, como tinha profetizado, a sua filha, a quem tinha dado à luz ao morrer, e que não respirou até que a mãe parasse de respirar, a sua filha viveu. E cresceu de forma invulgar em estatura e intelecto, e era um retrato perfeito da mulher que tinha partido, e eu amei-a com um amor mais fervoroso do que alguma vez pensara sentir por qualquer habitante da terra.
(...)

Excerto do conto Morella (1850) de Edgar Allan Poe