Caríssimos leitores,
Não que estejamos muito virados para o
diálogo, por aqui. Aliás, muito pelo contrário (se bem que algumas excepções sejam tão dignas de aplausos, que nos fazem soltar um sonoro e isolado comentário: «
Que divino canto tenho eu ouvido por aí, Maestro! E SIM, que se apele veementemente ao regresso da ilustre ave, teimosamente adormecida. Que descanse – nisso não me meto -, mas que não nos faça isto: não nos abandone! Nada de
segundas extinções, caro
Dodo. Ponha-se na nossa pena. Todos os dias aparecer na sua óptima casa e dar de caras com a mesma imagem de ausência. Garanto-lhe: Não mata nem mói - dói.»)
Concluído o imperioso desvio, retomemos. Não estamos, divagava-se, muito dados ao diálogo, mas sempre nos vai apetecendo postar diálogos, que, podendo parecer, não é a mesma coisa. Por isso, cá vai mais um, mesmo que perigosamente nos acusem, e com alguma justiça – mesmo que cega ou (e)vidente -, de provocar enfado nas legitimas expectativas dos visitantes, esses bravos resistentes que ainda se aventuram, destemidamente entrando nesta toca perdida. É que não se expondo muitos casos
anedóticos, não se falando de óbitos, não fazendo da intriga
notícia, não querendo seriamente pisar no minado terreno político, não exibindo uma inteligência de excepção; enfim, sem uma grande colecção de excitantes trunfos, não é de espantar que este cavernoso espaço seja sumariamente ignorado. E até vos digo: Acho bem! Ninguém escapa à furiosa selecção natural, nem mesmo um blogue. Não, não. Não estou a queixar-me - não tenho do quê. E convenhamos: com
escrituras destas, não é… lícito nem
saudável esperar muitas simpatias neste largo planeta da
"blogos-fera".
(Volte!)Feito este disparatado intróito, completamente dispensável mas que com bravura se impôs, revelando-se mais forte que estas desobedientes mãos que teimam em escrevinhar, as putas; posto isto, estamos preparados para fazer entrar em cena a cena dialogada que a partir de agora se representa, assim:
- Tem lume?
- Não me falta, não senhor!
- Era capaz de me dar uma chama para queimar este mata-gatos?
- Não era, sou! Todas as chamas são poucas para matar bichos falsos. Mas permita-me: entrou numa ligeira confusão – acho que o que deseja queimar se chama mata-ratos.
- Sei do que falo.
- Acho bem. Falar do que se não sabe não é só má escolha; é um escolho.
- Na minha cabeça serão sempre, sempre mata-gatos!
- Não discuto. Cada um com as suas convicções! Dizem que o respeitinho é coisa bonita. E mais: há quem goste!
- É defensor desse paneleiro que é fodido por toda a gente?
- Nunca tinha pensado nas coisas dessa estranha forma, ó ... Não se importa que o trate por Mata-gatos?
- Importo-me com tudo. Tudo!
- Às vezes também me baila essa tristeza cá nos "interstícios" da alma, mas nada que uma injecção de confiança interior seguida de um ardente bagaço não mate.
- Quer?
- Quero?
- Um bagaço!...
- Não declino, não senhor.
- Beba daqui mesmo.
- Obrigado, Mata-gatos.
- O meu nome é Sebastião.
- E tem dom?
- Claro! Dom Sebastião!
- Mesmo que me desacredite, lho digo: Tem cara disso.
- De Sebastião?
- De ser o D. Sebastião. E mais ouso acrescentar: malucos, há muitos, mas nem todos são notáveis.
- Notável!... Que merda é essa? Não encontro um notável há séculos! Nem quero! E isto serve para as duas frentes: se alguém me notar, escarro-lhe nas trombas!
- E já vão dois, nessa cegueira, digamos assim. Também eu não os noto com dignidade. Mas olhe que há muito valor por aí, para não falar noutros casos, bem diferentes: os daqueles que se fazem notar.
- Estou-me a cagar.
- Sua Majestade é quem bem sabe!
- Raisparta o mata-gatos! É sempre a mesma merda: está a gente a tirar prazer da matança quando o bicho se apaga.
- Não desanime, homem! O segredo está sempre na boa resolução. Tome lá mais uma chama para assanhar esse gato. Fuma muito?
- O que posso.
- É bem visto. E quanto pode?
- Já posso pouco. O Estado fodeu-me. Tirou-me tudo. Só pensam em chupar, esses cabrões! Esses e aqueles todos!
- Não mente, apesar de às vezes os meus botões desconfiarem dessa incrível máxima universal que assim reza: A culpa é do outro. Já o Estado… É uma máquina apetrechada com grande aparelho de sucção, sim senhor, mas um bocado viciada, não acha?
- Não acho nada. Sei coisas que não me saem da cabeça.
- Ó Mata-gatos, as coisas que não saem da cabeça, ruminadas até ao tutano por assim dizer; isto é, alegremente baralhando os conceitos que só servem para nos baralhar, transformam-se em lapas podres. Deite essa "coisa-lapa" cá para fora! E não pense que isto é um conselho, Deus me livre!, muito menos de grande valia; ou que estou a contrariá-lo. Eu, a Majestades, presto sempre uma genuína vénia. Até acho que às vezes deviam ser uma espécie de guias espirituais. Se calhar o nevoeiro anda em toda a parte menos por esses fantásticos lados! Do avesso anda o mundo quando se tomam algumas Majestades pela ralé, não é?! Agora sou eu que lhe ofereço do seu bagaço. Partilhar, Majestade, partilhar! E mais uma chama, que esse teimoso gato é resistente!
- Está a ver aqueles todos que ali estão? Todos me conhecem. Nem um me fala. São gatos importantes, os falsos. Esquivam-se. Desviam o olhar, cospem, os filhos da puta! Soube-lhes bem comer enquanto lhes agradou. Roubaram-me toda a terra. Toda! Agora que nada tenho, cospem.
- Cuspa também, ó Majestade. Mas tenha cuidado com a altura: quem cospe para o ar acaba por ficar escarrado.
- Eu cá não cuspo neles. Tenho mais dignidade num pintelho que eles no corpo todo! Mas sei o que lhes vai acontecer…
- Então?
- Queimados! Como este cigarro!
- Correndo o risco de mal julgar, percebo-o: Serão consumidos, talvez por si. Não é à toa que fuma mata-gatos! Mas olhe que segundo as últimas rezas da ciência, isso também o mata. Veja bem se o feitiço não se entranha já no justo feiticeiro!
- Que se foda! Hei-de fumá-los até ao fim! E àqueles gatos…
- Tenha a suprema bondade de me perdoar desde já, mas Vossa Excelência arde com minudências. Algum daqueles que diz você não lhe falarem lhe infecta o interior? Olhe este rafeiro!...
- Esses são fiéis!...
- Como todos: quando querem ou quando lhes convém!
- Também tenho um. Ó Marquês? Marquês!...
- Outra realeza, salvo seja! De Sade ou Pombal, Majestade?
- Este é da Madragoa. Rafeiro dos quatro costados!
- São os melhores! Cheira-me que é desta raça que são feitos alguns dos bons bravos.
- Bravo em que sentido?
- Olhe, já que Vossa Excelência me faz pensar, em todos os sentidos: valentes, selvagens, incultos, apoiados! Todos, que neste mundo tudo se multiplica.
- Lérias! É tudo da mesma má raça. Mas este Marquês é de bom serviço. Em todas as caçadas que faz, traz um gato nos dentes. Quer ver? Marquês!... Aí vem ele. Olhe para aquilo! Desta vez vem só com um bocado. Ainda é dia. Está bem ensinado, aqui o rafeiro.
- Ó Majestade, não terá ele se enganado na presa?
- Lérias!
- O que lhe pende da boca é mesmo… uma mão?
- Haveria de ser o quê? É uma manápula, com anilha dourada e tudo! Esta aliança vale três dias de comes e bebes!
- Bem vejo o reluzente oiro, que ao cintilar é como se nos piscasse o olho.
- Comigo as contas fazem-se aqui mesmo, na Terra. Fazem cá, e pagam fora? Céu? Inferno? Sei lá eu se pagam? Na terra se nasce, na terra se morre. Na terra se mata, na terra se come.
- Que visão! Digamos não muito católica. Calma Espírito.
- Também quer provar, aí o seu Espírito?
- Agitação e fervores não lhe faltam! Se calhar também já fez o gosto ao dente, por assim dizer.
- Eles gostam, os desgraçados. Se são animais de caça, então que cacem! Qualquer dia será um daqueles ali.
- Extraordinárias razões me levam a dizer que me sinto bem aqui no seu Reino, Majestade. E olhe que muito cirando eu por aí!
- Lérias! Já não vou nessa cantiga! A gente tem é que se afeiçoar à nossa terra! Conhecer muito bem o nosso canto! Detectar o inimigo e sem tréguas escaqueirar-lhe a cagança!
- Sua Majestade é quem sabe!
- Eu cá só sei que quem me fode não se fica a rir!
- É uma visão! Sou bem capaz de um dia destes voltar aqui às suas terras para palrarmos um bocado mais.
- Faça o que quiser.
- Também partilho, Majestade.