28.9.04
... foi mais um dia e tu nada fizeste - foi mais um dia e tu nada fizeste - foi mais dia e tu nada fizeste - foi mais um dia e tu nada fizeste ...
27.9.04
PROSA INSANA
Tenho que estar contente. Tenho que estar alegre, muito alegre. O sorriso terá de empurrar as orelhas para a nuca. Os olhos terão de sorrir ao avistar as novas primaveras somadas nos quentes e frios Outonos que vão crescendo nas contas da vida, sempre a subir para o fim. Nasci, outra sorte não tenho que a de ir. Há que rir. Hoje. Alvíssaras para quem trouxer bolhas engarrafadas, prontas para saltar na cabeça mais envelhecida. Doces para quem se lembrar de bolos. Bolos para quem precisar de doces desejos, que eu cá não estou em estado de atestado juízo, neste dia em que nem a felicidade está à porta da toca, nem a tristeza se esconde atrás dela.
Perdidos
Nesta amêndoa atordoada, presa por fio ao duro crânio de rato, dançam dúvidas e mistérios. São mistérios arrepiantes registados na Figueira. Andam os mirones em romaria tétrica calcorreando terra, a cheirá-la, a respirar os odores do crime na triste procissão de querer ver o horror em primeira mão e, se não for pedir de mais, que a televisão repare nas suas diligências, nas suas espertezas de rato com que julgam desvendar o caso, melhor e com faro mais apurado do que os canídeos policiais. E lá está ela, a televisão, que também escarafuncha no caso da menina desaparecida, que também procura o melhor comentário, o melhor relato de rancor, o mais profundo desejo de justiça popular que se repudia mas que não se pode deixar de mostrar – é a realidade, é a notícia. Andam os habitantes incomodados com a exposição da sua terra, invadida e vasculhada pelo magote de curiosos que querem “ver a porta” atrás da qual o acto bárbaro viveu. Por certo imaginam por sua conta os horrores que ali se gritaram. E lamentam e lançam ais, filha-que-gente-dessa-precisava-que-lhe-fizessem-o-mesmo.
A consternação é circo domingueiro porque a morbidez enche a pobreza da vida. Quero ver, quero ver. Quero saber, quero saber. Quero bater. E nos entreactos, esfuma-se a dor da verdadeira consternação perante um acto de desumano desenlace. Os porquês não inquietam a populaça ansiosa por destilar raiva e matar a curiosidade que se agiganta, disfarçada de inútil bonomia de ajudar quem já não pode receber abraços e carinhos de toda esta gente que não procura uma criança para a proteger; procura um cadáver para gritar por mais morte. A reflexão social é coisa para gente com estudos, que a gente não percebe dessas coisas. A gente quer é justiça, daquela que se veja, aquela: popular.
A criança, se calhar, há muito que gritou por socorro, mas ninguém a ouviu. Não houve acção social que lhe desse a mão. Agora procuram-na para tocar na prova, para agarrar a mão fria. Para a ver, sem vida. Que se chore, pois. Que se repudie. Que haja justiça neste mundo! Mas que se lamente, na toca. Que se esteja mais vigilante. Que se pense naquele caso perto da nossa porta. Aquele que pode ter símile desfecho. E que se denuncie. Sem aparato. Pela Joana.
A consternação é circo domingueiro porque a morbidez enche a pobreza da vida. Quero ver, quero ver. Quero saber, quero saber. Quero bater. E nos entreactos, esfuma-se a dor da verdadeira consternação perante um acto de desumano desenlace. Os porquês não inquietam a populaça ansiosa por destilar raiva e matar a curiosidade que se agiganta, disfarçada de inútil bonomia de ajudar quem já não pode receber abraços e carinhos de toda esta gente que não procura uma criança para a proteger; procura um cadáver para gritar por mais morte. A reflexão social é coisa para gente com estudos, que a gente não percebe dessas coisas. A gente quer é justiça, daquela que se veja, aquela: popular.
A criança, se calhar, há muito que gritou por socorro, mas ninguém a ouviu. Não houve acção social que lhe desse a mão. Agora procuram-na para tocar na prova, para agarrar a mão fria. Para a ver, sem vida. Que se chore, pois. Que se repudie. Que haja justiça neste mundo! Mas que se lamente, na toca. Que se esteja mais vigilante. Que se pense naquele caso perto da nossa porta. Aquele que pode ter símile desfecho. E que se denuncie. Sem aparato. Pela Joana.
25.9.04
É conhecida a colaboração artística entre Salvador Dali e Luís Buñuel que na tela registaram sonhos, naquele que é um dos mais emblemáticos filmes sob o signo do surrealismo. Estávamos em 1928 quando nasceu Un Chien Andalou, filme de culto que abriu as portas do onírico universo dos dois génios. Portas que se abrem para as praias do inconsciente, assaltado por cortes de navalhas que rasgam a visão "normal", um choque que nem os burros de cabeça pendente sobre dentes de piano conseguem ficar indiferentes. Nesta curta-metragem estão já algumas inquietações que amiúde aparecerão na obra de Buñuel: sexualidade, religião (ou a falta dela, para ser mais correcto: "Thank God I'm an atheist."), inconformismo, provocação.
A extensa obra de Buñuel é complexa, emocionalmente portentosa, repleta de matizes e admiráveis subtilezas expostas simbolicamente, de leitura subjectiva. Talvez por isso, a sua obra se tenha tornado num caso de estudo psicanalítico ao qual muitos já se dedicaram. Por aqui não há a intenção de o fazer. Talvez, noutro dia, voltemos a falar dele. Por agora, a única intenção é a de mostrar: Un Chien Andalou*.
* Aviso: paciência, amigos. O filme demora a carregar...
23.9.04
21.9.04
um mês de toca
Pela toca já entram os odores outonais que acariciam o focinho de rato insone, desabituado da hibernação. Rato sorridente, este, por saber estarem nesse estado letárgico alguns inimigos de sangue frio que ao sol se expuseram; sorridente por ter partilhado altruisticamente contigo, boa gente, cuja filosofia também é partilhar, dando sem pedir troco. E com os outros, todos os outros que aqui entraram e que por uma ou outra vez se anicharam em algum recanto que a sua sensibilidade achou mais aprazível. Agora, na toca, arranja-se o ninho. Separam-se discos e livros, filmes e bugigangas. Organizam-se pensamentos e ultimam-se preparativos para tornar o tugúrio seguro, a salvo das torrentes que se avizinham, na esperança de que, quando a medonha invernia chegar, encontrem aqui um canto abrigado.
Aos que aderiram à toca,Obrigado, Obrigado.
Aos que aderiram à toca,Obrigado, Obrigado.
Andrei Tarkovsky é um cineasta cuja poesia visual e conceptual das suas obras nos deixam imersos nos nossos próprios pensamentos, nos nossos medos e angústias, entregues ao universo que criamos a partir das suas sugestões reflexivas, poéticas e existencialistas. E, parece-me, quase tudo o que se possa dizer é de alguma forma redutor porque o cinema de Tarkovsky, muito mais do que para ser falado (criticado), é para ser visto, revisto e admirado à medida que a sua luz se infiltre no nosso sentir. É uma experiência única e multifacetada. É arte em estado de graça. É um hino com poema por decifrar.
Stalker será porventura o filme mais complexo do cineasta russo. O filme que o autor afirmou ter estado a preparar-se durante toda a sua vida. A nós cabe-nos entrar na "Zona", viajar com os personagens, perdermo-nos e encontrarmo-nos nas labirínticas reflexões: fé, utopia, vida. E muito mais.
19.9.04
Por outros lados
Mas que raio tem esta coisa da blogosfera? É um espaço livre, de acesso fácil e rápido, com espírito editorial. É uma forma de algumas almas se expressarem que doutra forma dificilmente encontrariam espaço. É uma forma de partilhar. (Não quero saber das outras considerações mui intelectuais acerca do fenómeno).
Há de tudo e cada vez mais em quantidades industriais, para (quase) todos os nichos. O rato que aqui se aloja, muito longe de ser ou querer ser exemplo algum, acha que o mais interessante é tropeçar em pensamentos e pessoas com as quais nos identificamos sem as conhecer de parte alguma. Pelo que se lê, pelo que se vai dizendo, cresce uma estranha simpatia pelas pessoas que estão por detrás dos posts. É a velha história de fantasiar as feições das incógnitas vozes da rádio. E tudo isto vem a propósito de um Universos Desfeitos que ali à direita tem linque, mas que talvez passe despercebido, injustamente, digo eu. Por isso, elevo-o ao post, salientando um texto. Poderiam ser muitos outros, ou a poesia naquele universo reunida. Escolho esta Mancha de Café # 8, talvez por me sentir colado ao espírito “descarneirado” do Sr. Juraan Vink. Bem-haja!
Há de tudo e cada vez mais em quantidades industriais, para (quase) todos os nichos. O rato que aqui se aloja, muito longe de ser ou querer ser exemplo algum, acha que o mais interessante é tropeçar em pensamentos e pessoas com as quais nos identificamos sem as conhecer de parte alguma. Pelo que se lê, pelo que se vai dizendo, cresce uma estranha simpatia pelas pessoas que estão por detrás dos posts. É a velha história de fantasiar as feições das incógnitas vozes da rádio. E tudo isto vem a propósito de um Universos Desfeitos que ali à direita tem linque, mas que talvez passe despercebido, injustamente, digo eu. Por isso, elevo-o ao post, salientando um texto. Poderiam ser muitos outros, ou a poesia naquele universo reunida. Escolho esta Mancha de Café # 8, talvez por me sentir colado ao espírito “descarneirado” do Sr. Juraan Vink. Bem-haja!
17.9.04
18 - OBSCENO!
É obsceno, Sr. ministro, é obsceno. Não gagueje Sr. Bagão. E com tanta obscenidade que por aí há a gente tem de fechar os olhos para que outras trapaças não nos entrem pelos globos que picam de tanta areia atirada para as nossas pobres vistas de quem não recebe nem haveremos nunca de receber 18 mil euros de reforma. É obsceno e acontece e venha dizer-nos em tom de primário professor que o poleiro do Estado no que às finanças diz respeito é tratado como uma família portuguesa. Mas que género de família, senhor? Aquela família que fica mais de seis meses à mingua esperando pelo subsídio de desemprego, esse que fica preso nas incompatibilidades de programas de computador do seu anterior ministério? Aquela família que não ganha para comer? Ou aquela outra cuja cabeça de casal recebe gordos cheques por pouco tempo de serviço? Ah!, é pobrezinho o nosso Estadinho, coitadinho, que tem tanto por onde mandar apertar os nossos cintos que de tão furados há muito deixaram de o ser; são agora passadores, senhor, sem mais sítio onde se possa furar. Mas mais um se há-de arranjar porque o orçamento familiar da maioria nacional é assim: a contar os tostões para pagar as obscenidades que por aí pululam. O nosso orçamento vive assim. Estamos todos ansiosos por saber ao certo com que linhas se tecerão o orçamento da grande família Estado.
14.9.04
13.9.04
No bosque encantado povoado pelos sons colectivos cantados a muitas vozes de muitas tonalidades, a toca foi acordada pelo tribalismo experimental, harmonioso e maníaco, hipnótico e mágico, acompanhado pelo melódico gotejar de guitarras que também sabem gritar e mais vozes, muitas vozes, aos berros expulsas mas também em rituais, em doces viagens pela candura da infância ou com elegância pop.
Depois chegou a trupe dos tambores e todas as vozes entoaram o vocabulário monossilábico da liberdade. A fábula andou à solta. O surrealismo vestiu a natureza. Coelhos, tigres, ursos e macacos rondaram a toca. Cantaram, dançaram, sonharam e partiram em... Animal Collective. Ficou: Slippi.
11.9.04
Desta humilde toca obscura perdida na vastidão da blogue-ó-esfera saúda-se os bem-aventurados que audaciosamente tocaram no nome do Sr. João César Monteiro. Vós, incautos visitantes, que, com ousadia e coragem entraram no ninho, quiçá animados pela curiosidade que matou o inimigo do murídeo, ou então atraídos pela luz natural da obra do génio e pousaram o dedo indicador no flanco esquerdo do rato, vós que a esse trabalho se deram, tiveram a felicidade de tragar algumas palavras do mestre inconformado, escritas no distante ano de 1973, publicadas na revista &ETC. Assistíamos então ao início de uma impar carreira no cinema português pautada pela energia, pela inovação, pelo romantismo perverso, pela excentricidade. Mas também pela beleza cénica, pela apurada estética do quadro, pelo desconcerto do universo do demiurgo.
João César Monteiro, homem de um diálogo ácido - para alguns, contundente -, mas poético e admirável que assim falou num país que soube amá-lo tanto como odiá-lo. O homem do olhar simultaneamente crítico e livre sobre o fado da vida, a vadia e a santa, o nosso vampiro de costumes que não se coibiu de nos mostrar a desesperança e a espicaçar, talvez chocando, os falsos pudores bolorentos. O homem cuja silhueta nos faz lembrar Nosferatu. Mas o nosso Nosferatu é aquele que dança a loucura pendurado em grades, aquele que colecciona pintelhos de meninas e de rainhas, aquele que atira o Presidente da Republica da tribuna – abaixo!, aquele que expõe a esquelética natureza do ser Deus (a personagem, leia-se), aquele que nos faz sorrir da desesperança, da miséria e da virtude de se ser português. Aquele a quem o Leão de Veneza rosnou prata, coroando “Recordações da Casa Amarela”, a primeira obra de uma trilogia que trouxe para a tela o heterónimo João de Deus, despido de preconceitos. Trilogia que se completou com “A Comédia de Deus” (1995) e “As Bodas de Deus” (1999).
Na história também ficam escritas polémicas de Brancas de Neve, a negro pintadas pela incompreensão, mitos de mau génio e prémios.
Por aqui acha-se que poucos vultos sobressaíram como o de João César Monteiro, o insurrecto, insubmisso e visionário português que, com notável mestria, deu ao nosso cinema uma alma que perdurará, pelo menos por tocas como esta, talvez devota e devotada ao bom abandono. E se por desventura João anda esquecido, que se reavive a sua memória, prestando-lhe a devida (e divina, se possível fosse) vénia. E que se viaje e que se consulte e que se veja e reveja a sua obra porque há Césares assim, que no "Vai e Vem", para sempre, ficam.
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7.9.04
As Bodas de Deus
João César Monteiro em As Bodas de Deus
...do sítio:
Nota de intenções
"Não lembra ao diabo fazer um filme que, ainda por cima com alguma ironia, nos fala repetidamente da impossibilidade do seu propósito, da impossibilidade da sua razão de ser.
Sossegai-vos, no entanto, ó incrédulos. Pode-se viver com isso, pode-se viver assim.
E alguns de nós, (poucos, espero), terão de convir que AS BODAS DE DEUS é um filme delicioso. Noblesse oblige."
João César Monteiro
Diálogo entre o Enviado de Deus e João de Deus
Enviado de Deus - Sou Enviado de Deus.
João de Deus - Vou ser chamado?
Enviado de Deus - Não me deram instruções nesse sentido. És demasiado velho.
João de Deus - Serei poeira, mas poeira enamorada.
Enviado de Deus - Fui enviado para te entregar esta mala. Contém uma soma avultadíssima em dinheiro.
João de Deus - Quanto?
Enviado de Deus - Não nos prendamos com pormenores. És rico como Cresus. Podes comprar o que te apetecer.
João de Deus - Ter caprichos?
Enviado de Deus - Os mais extravagantes.
João de Deus - Derrubar governos?
Enviado de Deus - A partir de hoje és o homem mais poderoso da terra. Não tens de prestar contas a ninguém.
João de Deus - Nem sequer tenho que acender uma vela ao meu benfeitor?
Enviado de Deus - Nem sequer. Estás dispensado das acções de graças.
João de Deus - Nesse caso sou bem capaz de ficar com a malinha. O taco é em dólares?
Enviado de Deus - Podes trocá-lo para marcos. Vai sofrer menos flutuações.
João de Deus - Também me parece.
6.9.04
O esvoaçar de bandeiras
Crítica mordaz me invade o espírito quando aparece um tal senhor secretário que do Estado recebe o ganha-pão por se entreter com os assuntos do mar. Dá a cara a desconcertante criatura para defender aquilo a que chama direito à vida, com a bandeira da moral desfraldada. Dá a cara na defesa da vigília ao barquito holandês, tão bem guardado pela eficiente marinha lusitana que tarde se ofereceu para reabastecer a embarcação. Para se manter à tona, rumou o navio para Vigo porque nesta terra não se aceita (nem se tolera! - era o que faltava!) a desordem e o perigo público que representa o reabastecimento de combustível e de mantimentos de semelhantes foras-da-lei. Foi o barco mas voltou lá para os lados dos mares internacionais de onde se avista a Figueira da qual um dia o senhor Santana Lopes desceu, rumando a Lisboa para deixar a capital em obras eternas, e de lá partir para o trono que as boas estrelas haviam dito "um dia será teu". Estavam certas as estrelas que não conseguiram avisar em tempo útil o iluminado primeiro-ministro da visita de uma delegação de atletas paralímpicos, convocados para a toca do enviado, a fim de receberem honrarias e sinceros desejos de boas idas defronte das câmaras de televisão que captaram a ausência de condições na entrada dos distintos convidados. A comitiva irá para Atenas, e, fazendo fé nas palavras do doutor Santana, quando regressar, com ouro e prata ao peito, já encontrarão rampas adequadas às dificuldades destes portugueses de plenos direitos, sem direito a arquitectura que lhes facilite a dura vida. Oh!, não digo que será pelas rodelas de ouro e de prata que as obras se realizarão. Será, talvez, pela televisão. É que pelos "aposentos" do Estado até se pode dar um jeito de forma célere, mas pelo país inteiro continuarão a existir as barreiras para os atletas que todos os deficientes têm de ser para conseguirem transpor as inúmeras ratoeiras quotidianas.
Desta toca apetece dizer: não admira que as desbotadas bandeiras que ainda resistem nas varandas nacionais chorem pingos verde-esperança e vermelho-sangue perante o tristonho espectáculo oferecido por este Portugal que, como as bandeiras que resistem, esvoaça ao sabor de ventos incertos nesta nau cada vez mais... descolorida.
Jacek Yerka
Desta toca apetece dizer: não admira que as desbotadas bandeiras que ainda resistem nas varandas nacionais chorem pingos verde-esperança e vermelho-sangue perante o tristonho espectáculo oferecido por este Portugal que, como as bandeiras que resistem, esvoaça ao sabor de ventos incertos nesta nau cada vez mais... descolorida.
Jacek Yerka
5.9.04
"One of the beauties of my life is that I never work. I'm lazy and I have no other way to work. I teach this to my students: you must wait and hope - there's nothing else you can do. And when you have an idea, you can do it in ten minutes."
Christian Boltanski
4.9.04
O convite fica feito para descobrirmos os espelhos de Bárbara, Lúcia, Juvenal e Germano, personagens deste nosso "O Irmão", peça elaborada pela pena de David Mourão-Ferreira.
3.9.04
Na orquestra estão flautinhas, pianinhos, cornetinhas, orgãozinhos e outras coisinhas de brincar prontas para lançarem adultas melodias do mundo. Desta vez não iremos dançar ao som de tangos, polcas ou rumbas. Não entramos em carrosséis, não vamos a toque de fanfarra até ao cabaret de todos os sonhos. Não entramos no baile nem andamos de balancé. Não ouvimos Dylan nem Stones. E também não nos cruzamos com PJ Harvey. Repousamos porque é Setembro, mas não entramos nessa melodia. Vamos para outros vales, também de encantar, com o olhar preso noutras preciosidades e de ouvidos atentos para o que o mestre Pascal Comelade nos trás. Avancemos, maestro: Your Eyes Like Juan Gris Cubis.
1.9.04
Reuni
Estava eu em toca alheia a discutir com mais alguns as voltas a dar a um argumento (argumento, que não gosto cá do palavrão guião). Argumento, que, se tiver sorte de chegar ao papel, de lá por certo não passará. (Ah!, estas coisas do cinema, das ideias e das narrativas, das personagens e das brigas, dos conflitos e dos desfechos! Estas coisas dos começos a muitas cabeças, das vomitivas frases do pensamento primeiro, primário, primitivo!...)Mas avancemos. Estávamos nós a dar voltas com as criaturas inventadas, quando o dono do albergue, numa tentativa de desanuviar a cabeça emperrada numa irresolução, se sai com esta: «sabiam que nos Estados Unidos há um programa de televisão, à la Big Brother, cujo objectivo é endireitar um gay? É verdade, pelo menos a acreditar em quem mo disse. Na casa estão três machos musculados; o concorrente é fechado na casa para aprender maneiras masculinas.» A gargalhada entrou na casa e passou de boca em boca. Eu, no meu canto de rato, cogitei: Mas que raio de entretenimento, este! Onde vamos todos parar? Que senhor terá tido esta ideia? Que cabeça pariu esta bestialidade? E que estúpido ser, "invertido" ou "direito", se presta ao ridículo desta exposição a troco de trocos e fama efémera? Mais ou menos isto pensei; mais ou menos assim o disse: «Onde vamos parar? Sim, onde, porque quando já não me parece sensato perguntar! Faz-se espectáculo da forçada mudança de uma qualquer natureza humana. Já não se testam (só) os limites de cativeiro, também se deseja matar “maneiras de ser”. Pronto, eu sei que estou a ser ingénuo e pateticamente moralista, defendendo um ponto de vista já cego, careca que se está de se saber que esta contaminação é prato de todos os dias, há muito servido no nosso quotidiano. Deixou-se de se exibir mulheres barbudas e homens-elefantes. Agora engaiola-se gente “perfeita” à procura de dar de caras com a sua figura estampada numa revista. Não é novo, e por estranho que pareça, já nem chateia (o hábito é um monstro, acrescento agora), mas bolas!, não há o bom-senso de parar?» Respondeu um sensato conviva trabalhador: «pronto pá, estanca lá essa veia comunista, ou humanista, ou moralista, ou lá o que ela é. Tens razão, mas cá para mim, estás (e estamos todos) a fugir à discussão. O que é que o gajo faz: vai ou fica?» De pronto, vomitei: Muda de vida; torna-se eremita…Não, calcorreia mundo, à procura de um pedaço de terra onde esteja escrito «Abbas Kiarostami -